
Caminhava de cabeça baixa, como todas as gueixas. Não por medo ou vergonha, simplesmente pela tradição ancestral de caminhar com os olhos no chão, no papel da mulher perfeita.
Mya, a gueixa, aparentava uma juventude enganadora. Talvez o rosto branco, os lábios finos desenhados a escarlate ou os bordados suaves do quimono disfarçassem o seu aspecto real, se é que existia algum. Qualquer coisa naquela imagem feminina evocava uma aura de mistério, de sensualidade, de inatingível.
Takamoto não conseguia desviar o olhar.
Nunca pudera usufruir, em toda a sua vida, da companhia dessas figuras fantásticas - mas sonhava com elas, e não raras vezes se deleitava em sonhos com as deslumbrantes emoções que imaginava desfrutar, quando chegasse a sua hora.
E a sua hora chegara, finalmente.
Promovido ao conselho de administração, recebera dos novos colegas a prenda que mais desejara, durante toda a sua vida adulta - o acesso ao Kiba, o clube de cavalheiros mais selecto do país, frequentado por uma pequena elite de privilegiados - políticos, homens de negócios, algumas personalidades do mundo dos espectáculo… e claro, por gueixas.
Inclinou-se, numa vénia respeitosa, respondendo ao cumprimento dela.
- O meu nome é Takamoto… seja bemvinda à minha casa…
- Mya…
Sentaram-se na sala, defronte de uma mesa de chá.
- Deseja que lhe sirva uma chávena de chá? - indagou ela, e pela primeira vez, ele pode observar-lhe os olhos, de um negro brilhante, quase azulado.
- Sim, por favor…
Ela ergueu-se e em gestos que a longa prática tornara naturais, pegou no bule de porcelana, na chávena e deixou que o líquido fumegante escorregasse vagarosamente, soltando um vapor perfumado.
Sem saber bem como, Takamoto anteviu naquele simples gesto uma promessa de prazer. Sorriu, em deleite.
- Obrigado… está bem assim…
No silêncio do quarto, Mishimo observava-se ao espelho.
O passar do tempo fora generoso para com ele, tinha de admitir. Mesmo sem qualquer maquilhagem, o seu rosto ainda conservava muitos traços de uma juventude já um pouco distante, um porte sereno, algumas rugas de expressão, um ar tranquilo.
Ajeitou o casaco escuro sobre os ombros, apertando os botões prateados.
Sentiu-se nervoso por dentro. Nunca estivera ao pé de uma gueixa, muito menos na sua própria casa. O filho avisara-o na véspera.
- Amanhã, meu pai … vou apresentá-lo a uma pessoa… uma pessoa especial.
O pai enrugara a testa, apreensivo. Pouco saía de casa. O mundo tornara-se desinteressante, demasiado violento, demasiado ruidoso. Sentia saudades do verde, da montanha, da casa humilde onde crescera e onde criara os quatro filhos, onde haviam sido felizes.
- Não preciso da companhia de nenhuma prostituta - gritara o pai, então.
- As gueixas não são prostitutas, meu pai… são artistas.
Acedera em conhecê-la. Simplesmente isso, e nada mais. Um chá, quando muito.
Desde que fora viver com o filho, fechara-se para o mundo. A esposa falecera muitos anos atrás e Takamoto, o único filho varão… era toda a família que lhe restava. As três filhas pertenciam às memórias de um passado distante, de uma vida humilde e sem recursos. Duas deles levara-as a doença, aquela doença da fome e do frio, das noites ao relento ou mal dormidas sobre as madeiras duras da cama. A terceira, talvez ainda fosse viva, partira com um viajante, para parte incerta.
Uma batida forte na porta veio despertar-lhe a consciência. Takamoto assomava à porta do quarto.
- O chá está servido, meu pai…
Ele assentiu, maquinalmente. Um chá. Seria simplesmente isso, um chá.
Desceram as escadas em direcção à sala.
Mya continuava de pé, junto à mesa de chá, esperando pacientemente, o rosto impávido, um sorriso impossível de definir.
Mishimo aproximou-se, o andar hesitante. Havia qualquer coisa naquela figura que o incomodava, apesar de ser a primeira vez que a via. Qualquer coisa de … familiar, até.
Sentou-se.
Takamoto imitou-lhe o gesto e Mya ajoelhou-se diante do ancião e solícita, tomou-lhe o pé, para lhe descalçar a sandália. Repetiu o gesto para o outro pé e, ao erguer o rosto, sentiu que Mishimo a observava minuciosamente.
Subitamente, o ancião ergueu-se, gaguejando algo incompreensível. Os olhos, antes tranquilos, raiavam agora uma nuvem avermelhada, o rosto arroxeado, quase apopléctico.
- Não… não, não é possível… - balbuciou.
Recuou dois passos, em direcção à porta.
Mya voltou a baixar de novo o olhar, as mãos levemente trémulas.
Takamoto, julgando o pai à beira de um ataque fulminante, ergueu-se de um salto e segurando-lhe no braço, tentou fazê-lo sentar-se.
- Pai… pai, por favor… o que foi? O que foi? Acalme-se…
A gueixa pousou as sandálias e erguendo de novo o rosto, cruzou de novo o olhar com o do ancião.
- Sim, pai… sou eu… Myura… a sua filha… - disse ela então.