
-Estás nervosa?
Que pergunta. Claro que estava nervosa.
Ajeitou melhor a pequena máscara, bordejada de lantejoulas cor de pérola. Subitamente, sentiu-se uma autêntica princesa de tempos idos - o vestido de seda drapeado, as fitas, a pequena sombrinha branca, o tecido a arrastar pela madeira polida do salão, o cabelo arranjado num penteado extravagante que alguém garantira ser o autêntico aspecto das cortesãs de Luís XIV, o rei sol.
- A duquesa de Orleans - anunciou o funcionário da porta, vestido a rigor como se de um autêntico serviçal da corte se tratasse - … e a sua sobrinha, a menina Jaqueline de Orleans.
- Tinhas que arranjar-nos uns nomes tão pomposos?
A amiga ria-se, ocultando o rosto com o leque.
- Claro… tu vais ser a duquesa… eu contento-me em ser a tua sobrinha… e olha, até creio que foi uma escolha muito original.
Claro. Aquela amiga sempre fora assim… um pé fora do convencional, o corpo inteiro fora do normal, criativa, alegre, contagiante. Não fosse ela… não estaria ali.
Sentaram-se num dos cantos do salão, completamente a transbordar de fantasias de piratas, princesas, mágicos, fadas, personagens históricas, astronautas, monstros… enfim, de tudo um pouco.
O animador de serviço gritou qualquer coisa, que ninguém conseguiu ouvir. A música começou a tocar e instantaneamente, dezenas de pares de mascarados encheram a pista de dança, num rodopio de cores e fantasia.
Um espectáculo para os olhos.
- A menina dança?
Jaqueline de Orleans olhou para o estranho pretendente, vagamente parecido a uma figura bem conhecida de um filme de ficção científica, um ser enorme e peludo, de olhos doces e expressão solitária.
Mas o convite não era para ela.
Disfarçadamente, deu uma cotovelada à amiga.
- É para ti…
A duquesa de Orleans sorriu. Baile de máscaras? O que se fazia num baile de máscaras? Dançar, pois evidentemente.
Levantou-se, esticando graciosamente a mão.
- Por quem sois, senhor…
- …Frederico, minha dama… - completou ele - Frederico…
Dançaram.
Uma valsa, uma polka, um tango… e depois perderam-lhe a conta.
Ele era divertido, e apesar da estranha máscara que escolhera, a alma sorria-lhe de uma forma transparente. Ela, a princípio insegura, sentia-se bem nos seus braços, como se de repente tivesse encontrado um ponto de apoio, contou-lhe histórias de infância, enquanto rodopiavam pela pista de dança.
A meio da noite, ele atreveu-se a dizer-lhe como a achava linda e ela sorriu, de livre e espontânea vontade, ao galanteio.
Tacteou-lhe o rosto com a mão, demorando-se propositadamente na testa e nos olhos.
- Tens olhos de mentiroso - disse-lhe ela - porque isso é que estás a dizer-me essas coisas todas…
Ele riu-se, puxando-a com ímpeto num passe mais arrojado.
- Eu, mentiroso? Minha dama… um cavalheiro na vossa presença… nunca poderia mentir…
Na pequena varanda virada para o jardim, apanhavam o ar fresco da noite.
- Como te chamas? Ou preferes ser sempre a … duquesa de Orleans ?
Ela disfarçou o nervosismo, apoiou-se no parapeito.
- Madalena… sou a Madalena, duquesa de Orleans. Pelo menos, por esta noite…
Ele ficou a olhar para ela, vendo-a contemplar o vazio, como se estivesse muito longe, num outro lugar. Ou então era só a máscara de lantejoulas, que lhe conferia aquele ar enigmático, quase misterioso até.
- Madalena… tenho que te confessar uma coisa… ou melhor… duas.
Ela tocou-lhe de novo no rosto, os dedos desceram-lhe aos lábios, como se o pretendesse silenciar.
- Não… - continuou ele - eu preciso mesmo… de te dizer…
- Está bem… podes dizer…
- Eu… eu não estou mascarado…. Isto não é nenhuma máscara… eu sou mesmo assim… sempre fui assim, com este aspecto estranho…
- Eu sei… - antecipou-se ela.
- Tu sabes?
- Sim… sempre soube.
- Mas como?
Ela percorreu-lhe de novo o rosto, desta vez com as duas mãos, acariciando-lhe os olhos.
- Sabes… quando nascemos sem ver… os outros sentidos ficam muito mais despertos… eu posso não te ver com os olhos… mas com as mãos, há muito que te decorei o aspecto…. Desde a primeira valsa…
Fez-se silêncio. Ele suspeitara desde o primeiro momento…. Mas não se atrevera a perguntar. O olhar distante, o andar hesitante… mas não encontrara oportunidade, estivera demasiado inebriado em ouvi-la, tudo o resto passara a uma importância minúscula.
E ela continuou.
- … E quanto à segunda coisa que me querias confessar… sim, a resposta é sim…
- Mas tu não sabes… - ele ainda tentou.
- … Não sei… se me ias perguntar se eu deixaria que me beijasses, é isso? Agrada-me muito desiludir-te… e a resposta continua a ser… sim.
Nota: Porque será que nunca nos sentimos suficientemente "atraentes" para a outra parte?