Maria do Carmo Miranda da Cunha
Lembrava-se dela, sim.
1939, uma noite quente de Dezembro, quase ano novo.
Naquele mesmo local, outrora bem reluzente, atapetado de vermelho, as limusines a desfilar como pirilampos na noite. Os artistas, os famosos, os políticos de então, o governador, a aristocracia das redondezas…. Quem não gostaria de assistir a um dos shows do casino da Urca?
O casino, naqueles tempos já longínquos, reunia todo o glamour do cinema. Não raras vezes, os astros de Hollywood eram vistos nos camarotes, bebericando taças de espumante, numa vida boémia que o antigo bairro da Urca - pejado de aristocratas do Rio de Janeiro - sempre conseguira cativar.
E bem ao lado do casino… a praia, o sempre tentador areal branco.
Como o tempo passara rápido, desde aquela noite.
Teria ele talvez… dez, onze anos, não mais. Ajudava o pai na limpeza dos camarins, levava bouquets de rosas às coristas, polia os espelhos. E, naquela noite tão especial… ela iria actuar.
Bebeu mais um gole de café. Forte, de travo azedo. Como ele sempre gostara.
Bem no centro da parede do pequeno bar, no fim do areal, o cartaz do espectáculo, já amarelecido pelos anos, continuava a despertar-lhe as memórias, por mais que o tentasse ignorar.
Em grandes letras douradas, ainda se conseguia ler distintamente:
" Hoje, espectáculo com a estrela Cármen Miranda…"
Sim… lembrava-se dela. E daquele espectáculo, daquela noite.
Roubara uma rosa de um camarim e oferecera-lha. Ela, atarefada nos últimos retoques da maquilhagem, sorriu-lhe, deu-lhe um beijo na testa e desejou-lhe as maiores felicidades. E para seu deleite, cortou o comprido caule da rosa e ajeitou-a no seu toucado, por entre o colorido da fruta. Depois, piscou-lhe o olho.
- Vês? Assim saberás que não me esqueci de ti…
Setenta anos.
Como o tempo passara depressa.
Sorveu o último gole de café.
Ele também nunca a esquecera.
A sua diva, a sua primeira paixão de adolescente.