
O olhar... aquele olhar.
Sobressaindo da penumbra, a pele acetinada adivinhava um deslizar de prazer, como se a ponta dos dedos soubessem – só eles – um caminho secreto por entre as estrelas.
Reclinou-se um pouco, à procura dela.
Conheceram-se num jardim, entre dois lagos de nenufares. Ela caminhava sózinha, um longo vestido a roçar as ervas do chão, uma sombrinha colorida e um chapéu ridiculo, que nela se transformava numa obre de arte. Ele tagaraleava com os amigos, na maldizência corriqueira de todas as manhãs de domingo.
Cruzaram-se na estreita ponte de pedra, entre os lagos.
Por um segundo – como pode a eternidade resumir-se a um segundo ? – os seus olhares convergiram um no outro... para não mais se soltarem.
A mão fria tocou-lhe as costas nuas. Estremeceu.
Os dedos dela reclamaram os dele. Ergueu os braços e envolveu-o num abraço interminável, enquanto deixava que os os olhos se afogassem naquele sorriso. Como podia um sorriso iluminar a escuridão, como se de mil chamas se tratasse?
Ela baixou o olhar, quando ele a convidou.
Ofereceu-lhe uma flor amarela e disse-lhe que o seu sorriso era mais cristalino que o nascer das águas. Que estava enfeitiçado, que preferia transformar-se na areia aos pés dela que permanecer longe do seu olhar.
E ela sorria infantilmente... de um jeito que envergonhava todas as deusas do Olimpo.
Os lábios tocaram-se, ansiosos.
O mundo desabou numa espiral de aguarelas coloridas, perfumando o êxtase dos sentidos. O universo – ali e agora – resumia-se aquele beijo, os corpos colados e imóveis.
O tempo emudeceu e vagarosamente, deixou que os amantes caminhassem nus sob um manto de estrelas, alheios à escuridão que tombava sobre eles.
Pouco a pouco, a pele macia adquiriu reflexos de marmore, os lábios colaram-se para não mais se soltar, o frio manso da pedra fechou-lhes os olhos numa expressão de prazer sem palavras, os cabelos soltos entrelaçados num labirinto de sombras.
( Silêncio )
- João... onde leste tu essa história? Aqui no guia do museu só diz “ O beijo, de Rodin”...
- Anh... o beijo... sim... desculpa, o que dizias?
- A estátua... a história... onde foste tu..
- Eu? Não... nada. Simplesmente... sinto que foi assim que ela surgiu.... nem podia ter sido de outro modo, não podia...
Ela olhou-o com ternura.
- João...
- Sim, Maria?
- Se eu te beijar... aqui e agora... não nos vamos transformar em pedra... pois não?
Ele apertou-a, como há muito tempo não se lembrava de o fazer.
- Quero lá saber...