
- Pai... preciso de ajuda... preciso da tua ajuda.
Sentou-se sobre a relva, os pés descalços a roçar as pequenas pedras, as folhas verdes da relva entre os dedos.
O olhar, bem disfarçado pelos óculos escuros, ocultava-lhe os sentimentos e a alma, a postura imóvel e de contemplação... facilmente confundível com uma prece, uma meditação talvez.
- Pai... um conselho... preciso mesmo do teu conselho.
As folhas castanhas do outono soltaram-se das árvores e vieram pousar-lhe sobre o colo, sem pedir licença. Como o tempo passava depressa. Já era outono?
Já... já decorrera uma primavera, um verão, o outono já a meio, brevemente nevaria de novo e todo um novo ciclo de vida recomeçaria. Nascer, morrer, renascer... ciclo após ciclo, seguindo a ordem natural de todas as coisas.
O que fazer? Como decidir? O que decidir?
Involuntáriamente, levou a mão ao peito, deixou-a descair até ao abdómen. Ainda não era visível, claro... nem tão pouco apareceria em nenhum teste, possivelmente.
Mas ela sabia.
Ela tinha a certeza.
Não necessitava de nenhum teste para ter a certeza, sentia-o simplesmente. E tinha a certeza, sentia aquela presença, aquela nova presença... aquele novo ser que ainda nem conhecia, ainda sem nome.
Não contara a ninguém. Como contar? A quem contar?
A mãe não entenderia... nunca a entendera. O pai da criança... como chamar-lhe pai? Um mero descuido de um baile, uma noite de folia, algumas bebidas em excesso... como contar-lhe? As suas amigas – amigas ou conhecidas? – de tempos fáceis... que conselho lhe poderiam dar?
- Pai... és o único que me podes aconselhar... fala comigo, como naqueles tempos em que me sentava ao teu colo em frente à lareira...
O silêncio do mármore não lhe respondeu.
Ao lado da fotografia, um ramo de flores, o epitáfio gravado na pedra fria.
“ Aqui jaz, com eterna saudade da sua esposa e filha... “
Esperou pacientemente uma resposta que não veio.
Finalmente decidiu erguer-se, o entardecer trazia já uma aragem fresca das montanhas, o fim de outono revelava-se.
Foi nesse momento que aquela bola colorida apareceu do nada, rolando silenciosamente sobre a relva até embater na campa de mármore. Ressaltou e acabou por se imobilizar bem junto aos seus pé.
De onde surgira?
Um grito estridente fê-la olhar para trás.
- Atiras a bola... por favor?
Não teria mais que uns oito anos, sorridente e irrequieto. Vinha de corrida, fugindo dos pais, algures no parque ali bem ao lado.
- Atira, atira...
Ela pegou na bola e num gesto rápido atirou-a bem alto, na direcção do rapazito. Deu consigo a sorrir. Talvez que afinal... os conselhos, as respostas... pudessem surgir de formas por vezes tão subtis, tão inocentes, tão quase por acaso... que facilmente passariam despercebidos.
Mas não.
Por um brevíssimo instante, sentiu que acabara de obter a sua resposta... no olhar brilhante de um rapazito, correndo atrás de uma bola colorida.
Olhou para trás.
As folhas continuavam a cair, empurradas pelo vento.
- Obrigado pai... pelo conselho...