Quarta-feira, 18 de Novembro de 2009

A decisão

 

 

- Pai... preciso de ajuda... preciso da tua ajuda.
 
Sentou-se sobre a relva, os pés descalços a roçar as pequenas pedras, as folhas verdes da relva entre os dedos.
O olhar, bem disfarçado pelos óculos escuros, ocultava-lhe os sentimentos e a alma, a postura imóvel e de contemplação... facilmente confundível com uma prece, uma meditação talvez.
 
- Pai... um conselho... preciso mesmo do teu conselho.
 
As folhas castanhas do outono soltaram-se das árvores e vieram pousar-lhe sobre o colo, sem pedir licença. Como o tempo passava depressa. Já era outono?
Já... já decorrera uma primavera, um verão, o outono já a meio, brevemente nevaria de novo e todo um novo ciclo de vida recomeçaria. Nascer, morrer, renascer... ciclo após ciclo, seguindo a ordem natural de todas as coisas.
O que fazer? Como decidir? O que decidir?
 
Involuntáriamente, levou a mão ao peito, deixou-a descair até ao abdómen. Ainda não era visível, claro... nem tão pouco apareceria em nenhum teste, possivelmente.
Mas ela sabia.
Ela tinha a certeza.
Não necessitava de nenhum teste para ter a certeza, sentia-o simplesmente. E tinha a certeza, sentia aquela presença, aquela nova presença... aquele novo ser que ainda nem conhecia, ainda sem nome.
 
Não contara a ninguém. Como contar? A quem contar?
A mãe não entenderia... nunca a entendera. O pai da criança... como chamar-lhe pai? Um mero descuido de um baile, uma noite de folia, algumas bebidas em excesso... como contar-lhe? As suas amigas – amigas ou conhecidas? – de tempos fáceis... que conselho lhe poderiam dar?
 
- Pai... és o único que me podes aconselhar... fala comigo, como naqueles tempos em que me sentava ao teu colo em frente à lareira...
 
O silêncio do mármore não lhe respondeu.
Ao lado da fotografia, um ramo de flores, o epitáfio gravado na pedra fria.
 
“ Aqui jaz, com eterna saudade da sua esposa e filha... “
 
Esperou pacientemente uma resposta que não veio.
Finalmente decidiu erguer-se, o entardecer trazia já uma aragem fresca das montanhas, o fim de outono revelava-se.
Foi nesse momento que aquela bola colorida apareceu do nada, rolando silenciosamente sobre a relva até embater na campa de mármore. Ressaltou e acabou por se imobilizar bem junto aos seus pé.
De onde surgira?
 
Um grito estridente fê-la olhar para trás.
 
- Atiras a bola... por favor?
 
Não teria mais que uns oito anos, sorridente e irrequieto. Vinha de corrida, fugindo dos pais, algures no parque ali bem ao lado.
 
- Atira, atira...
 
Ela pegou na bola e num gesto rápido atirou-a bem alto, na direcção do rapazito. Deu consigo a sorrir. Talvez que afinal... os conselhos, as respostas... pudessem surgir de formas por vezes tão subtis, tão inocentes, tão quase por acaso... que facilmente passariam despercebidos.
Mas não.
 
Por um brevíssimo instante, sentiu que acabara de obter a sua resposta... no olhar brilhante de um rapazito, correndo atrás de uma bola colorida.
Olhou para trás.
As folhas continuavam a cair, empurradas pelo vento.
 
- Obrigado pai... pelo conselho...

 

publicado por entremares às 12:41
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22 comentários:
De MARIA a 18 de Novembro de 2009 às 13:41
Rolando...

Sem palavras você tem esse dom....



:)) Doce carinho
De entremares a 19 de Novembro de 2009 às 11:51
Olá Maria...

As palavras tentaram fazer passar uma mensagem...
Fico sempre feliz quando encontram o seu eco.

Beijos
Rolando
De Existe um Olhar a 18 de Novembro de 2009 às 16:02
Olá Rolando
As tuas histórias são sempre encantadoras, isso tu sabes, não preciso repetir; o que mais me fascina é a mensagem por vezes velada, quase imperceptível que transparece por detrás das palavras. Hoje fiquei particularmente atenta aos sinais, talvez porque faço deles a minha prática diária. Por vezes esperamos respostas tão concretas, que nos escapam pequenos detalhes que fazem a diferença e que podem alterar de uma maneira saudável o rumo dos acontecimentos.
Uma bola, um sorriso, uma música, uma mensagem, um pássaro que veio pousar na varanda...enfim...tantos recados subtis que surgem quando menos esperamos, basta estarmos atentos.
Deixo este comentário...Um "sinal" que demonstra o quanto gosto de ler o que escreves.
Beijos
Manu
De entremares a 19 de Novembro de 2009 às 11:59
Manu...

Apetecia-me repetir algo tantas vezes já dito: São sempre precisos dois para dançar o tango.

As histórias, os contos ingénuos, as fábulas... tudo fará sentido para alguns.... e completamente sentido nenhum para outros.
E mesmo assim, a gente vai tentando, insistindo, fazer passar as mensagens, não é?

Está-nos na natureza...

Beijos, regressada africana
Rolando
De Jorge Soares a 18 de Novembro de 2009 às 22:03
Há coisas que só o nosso coração nos pode dizer mesmo...

A modos que fiquei sem palavras....

Abraço.

Jorge
De entremares a 19 de Novembro de 2009 às 12:00
Amigo Jorge

Sei que percebeste o recado, porque para bom entendedor... meia palavra basta.

Um grande abraço
Rolando
De miss yang a 19 de Novembro de 2009 às 01:13
que texto maravilhoso... me coloquei naquele lugar, ao lado dela, sem ser vista, no aguardo da resposta tão esperada.

claro que perdoo teu breve desaparecimento. desde que o mesmo seja realmente breve.

como poderia eu te condenar se o faço com maior frequencia?

mesmo assim, não sumas. tua presença me é necessária para ficar feliz. bj
De entremares a 19 de Novembro de 2009 às 12:02
Miss Yang...

Ainda um dias nos hás-de contar a todos como te surgiu a inspiração para a escolha daquela nome ( YuYu ) que eu acho simplesmente lindo.... para um dos teus rebentos...

Gosto muito de te ver por aqui.
beijos
Rolando
De Sara a 19 de Novembro de 2009 às 06:52
Por vezes as respostas estao onde menos as esperamos...

Excelente texto!

Beijinhos
De entremares a 19 de Novembro de 2009 às 12:04
Oi, Sara...

Suspeito ( é uma suspeita forte ) que também és daquelas pessoas que descobre respostas em locais e situações insuspeitas...

Beijos
Rolando
De Sara a 19 de Novembro de 2009 às 12:07
A vida já me ensinou que tudo tem uma razao de ser! E nada acontece por acaso... mais cedo ou mais tarde descobrimos as respostas, temos é que estar atentos!!

Desejo-te uma tarde feliz :)
De Luísa a 19 de Novembro de 2009 às 07:50
Costumo dizer que "as coincidencias são as mãos de Deus na minha vida".!!!
Aquela bola apareceu do nada...A criança apareceu por acaso...
A resposta vei como por um gesto esperado de anuencia a uma gravidez não programada...
Que vivam felizes, cheias de amor!


Bela lição de vida!Muitas jovens adultas deveriam lê-la.
BJNHS
De entremares a 19 de Novembro de 2009 às 12:05
Olá, Luisa...


Devagar, devagarinho.... lá vamos tentando fazer passar a nossa mensagem, não É?

Beijos
Rolando
De libel a 19 de Novembro de 2009 às 12:36
Pois Rolando, quando as decisões são dificeis de tomar, e o pêndulo teima em fazer força num dos lados, qualquer folha que se mexa do seu lugar é um sinal, mesmo que apenas tenho sido o vento. É bom acreditar que sim, que temos alguém a quem recorrer nestas horas dificieis.


Beijokas
De entremares a 19 de Novembro de 2009 às 14:48
Oi, Libel...

Sim, é sempre bom acreditar. pelo "acreditar" em si, e pela força extra que esse acreditar representa.

Nas horas dificeis... as decisões também se tornam mais dificeis, não é?

Beijos.
Rolando
De Essência a 19 de Novembro de 2009 às 15:04
Mais um texto extraordinário. Adorei!

Paula
De entremares a 19 de Novembro de 2009 às 20:32
Oi, Paula

Com palavrinhas suaves também se podem ir passando mensagens, não achas?

Beijos
Rolando
De Lis a 19 de Novembro de 2009 às 15:42
Oi,Rolando
Ainda estou sob o impacto da tua voz que acabei de ouvir, ando meia atrasadinha nos comentários , desculpe e já comentei lá mas devo dizer que foi muito agradavel ouvir a sua voz com esse sotaque tao diferente do nosso, quando a escrita é tão igual , fico encantada também com as diferenças.
LInda decisão nesse quase poema e correta quando precisou apenas de um sinal pra que fosse tudo ficasse entendido. Que lindo quando nem palavras mais precisamos, um gesto, um sorriso, um olhar , um sinal.
Obrigda por tudo que proporciona com seus contos. Volte a mandar em vídeo, quando desejares. A plateia aplaudiu!! rsrs
Abraços,Rolando

P.S - Parabéns..
De Óscarito a 19 de Novembro de 2009 às 16:17
Os nossos sentidos que às vezes necessitam de "uma bolada" para despertarem e verem.
Abraço/Óscar

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