Quarta-feira, 4 de Novembro de 2009

A fábula das borboletas

 

 

 

 

O pequeno Rodrigo, olhos azuis como o céu, olhava extasiado para a pequena borboleta branca que lhe pousara sobre a mão.

- Olá, Rodrigo...

 

Muito tempo antes, o Rodrigo apercebera-se, da pior forma possível, que não era uma criança igual a todas as outras. Médico após médico, especialistas em cadeia, todos lhe auguraram um destino sombrio – o Rodrigo não suportava a luz, o sol, o ar mais forte do verão.

Apesar de todos os tratamentos para lhe suavizar a enfermidade, o Rodrigo confinara-se ao seu próprio casulo, à velha casa da aldeia – de paredes grossas, caiada de branco, com um grande pátio de arcadas no interior – onde ele tanto gostava de correr, saltar, subir aos ramos mais altos da velha oliveira ou até assustar os peixes vermelhos do pequeno lago.

Os pais, na ânsia de lhe suavizar a prisão, taparam parcialmente o grande pátio, criando zonas de sombra onde o pequeno Rodrigo pudesse brincar, ler os seus livros da escola ou até brincar com os amigos, quando estes o visitavam.

Rodrigo, o branquinho – como gostavam de lhe chamar.

 

- Gostava de ter pássaros no quintal – pedira ele à mãe certo dia. – Achas que poderemos arranjar alguns, mãe? Por favor? Seria divertido, tenho a certeza...

A mãe não lhe conseguia dizer não.

- Oh, Rodrigo.... claro que podemos... mas olha lá, tu já tens pássaros no quintal... eu vejo sempre por ali bandos de pardais, libelinhas.... até borboletas... para que queres tu mais pássaros?

- Oh, mãe... então tu não vês? É que esses não são meus, esses vão e vêem quando lhes apetece, nunca sei quando eles ali estarão...

A mãe sorriu, divertida.

- Nisso tens razão, Rodrigo... os pardais e as borboletas creio que nem resistiriam... se os prendesses numa gaiola. Mas olha... porque não tentas tu atraí-los para o jardim?

Os olhos do pequeno Rodrigo brilharam.

- Atraí-los para o jardim? Como posso eu fazer isso?

- Oh, Rodrigo.... mas isso é muito fácil... só tens que cuidar do jardim, torná-lo bonito, apetitoso, cheio de flores e sementes... e assim, tenho a certeza, todos os pássaros das redondezas quererão vir aqui fazer o seu ninho...

- Oh, mãe... achas... achas mesmo que aconteceria? Eles viriam?

- Claro que viriam... ah, a propósito... também não te podes esquecer da água... sempre água limpa e fresca para eles saciarem a sede.

 

E assim de repente, o pequeno Rodrigo descobrira uma ocupação para os seus dias habitualmente monótonos, refugiado na penumbra do quarto, diante da televisão ou do computador.

Dia após dia, esmerou-se no cuidar dos canteiros, na limpeza dos musgos, no aparar da relva, até colocando pequenas latas cheias de água espalhadas ao longo das paredes, nas zonas mais frescas.

E como ficou deliciado, quando certa manhã ao sair para o jardim, descobriu um mar de borboletas brancas a dançar graciosamente sobre o canteiro das campainhas lilazes.

E depois... vieram as andorinhas.

E os pardais.

Um cuco.

E uma vez por outra, um rouxinol tímido e inquieto, que fugia mal ele abria a janela.

 

- Olá, Rodrigo – repetia a voz, baixinho.

 

O pequeno olhou para a borboleta branca que lhe pousara na mão, sem querer acreditar.

- Quem... falou? Quem me está a chamar?

A borboleta abanou as asas ao de leve, como se lhe estivesse a pedir atenção.

- Fui eu... eu mesma, pousada aqui sobre a tua mão... só te queria agradecer...

- Agradecer? – e o pobre Rodrigo mal conseguia soletrar as palavras, de maravilhado que estava – mas tu falas? Como é possível que tu fales?

- Oh, Rodrigo... claro que eu falo, claro que todas nós falamos... mas nem sempre vocês nos ouvem... mas sabes... eu vim mesmo agradecer-te...

- Mas porquê? Que fiz eu para que me queiras agradecer?

- Fizeste este jardim, Rodrigo... – e abanou novamente as asas – e sem o saberes, ajudaste-nos a todas nós... pequenas borboletas brancas... que nem conseguimos suportar a luz do sol...

- Vocês... vocês são como eu?

- ... e graças ao teu jardim, cheio de flores, sementes, água e sombra, muitas sombras... aqui podemos descansar todos os dias, em paz... por isso te quis agradecer... sem o teu jardim... nada disto teria sido possível.

 

E soltou-se dos dedos, volteando graciosamente no ar.

O pequeno Rodrigo, ainda de boca aberta, ficou a vê-la afastar-se.

Tão embriagado de felicidade estava... que nem se apercebeu da chegada da mãe.

 

- Rodrigo.... meu filho, não te descuides com as horas.... olha que o sol está quase a despontar...

Ele voltou-se para a mãe, o rosto radiante de felicidade.

 

- Mãe, mãe.... nem vais acreditar no que acabou de acontecer, agora mesmo... nem vais acreditar...

 

 

publicado por entremares às 10:46
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24 comentários:
De Jorge Soares a 5 de Novembro de 2009 às 00:27
Ai Regina, mas queres mais magia que a que nasce da esperança de um jardim florido?

Vida Regina, a vida que nasceu do sonho do jardim florido..

Jorge
De Regina d'Ávila a 5 de Novembro de 2009 às 00:46
Verdade Jorge, é a pura verdade...
Como querer mais? Como pedir mais?
Uma vida florida é tudo que se quer, se persegue se sonha....
Sim...e também eu Jorge...também eu....quero viver uma vida que nasceu de um sonho....
Neste momento é o que mais desejo....Viver uma vida que nasceu de um simples sonho...não está aí o jardim florido?
Meu Deus..que sábias palavras...e em um momento preciso.
Jorge, queria agora poder te beijar, posso?
Um beijo bem carinhoso,
E muito, muito obrigada,
Com todo meu afeto,
Regina.
De entremares a 5 de Novembro de 2009 às 12:11
Amigo Jorge,

Tu, que tens uma casa da cor do arco-iris... sabes bem como importam os jardins floridos.
Sabes também como importa o cativar, o cuidar, o esmerar...

O resto... são flores que nascem... desejadas, protegidas, carentes de borboletas.

Ambos precisam um do outro, como no amor - flores... e borboletas.

Um grande abraço.
Rolando

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