Quarta-feira, 7 de Outubro de 2009

Aventuras e desventuras...

 

 

Era uma vez um rato.
Sabem? Um ratinho de cidade, daqueles que moram nos buracos das paredes, espreitando as pequenas oportunidades de assaltar a despensa ou os restos das refeições esquecidos sobre as mesas.
Este ratinho em especial vivia acompanhado da família - numerosa, como todas as famílias de ratinhos - num belo casarão, uma daquelas casas antigas com cave, arrecadações e sótãos cheios de baús misteriosos, partilhando aquele espaço imenso com a família Silva, o cão Tobias e o gato Tareco.
A família Silva, igual a tantas outras, era constituída pelo pai João, a mãe Teresa, o Roberto e a Aninhas, sem esquecer a avó Fernanda, que ali pernoitava todos os Invernos.
A família dos ratinhos - doze, no total - não tinha a preocupação humana de baptizar os seus elementos, conheciam-se pelo erguer dos bigodes, pelo cheiro do pelo cinzento, pelos guinchos autoritários do pai ou cauda pontiaguda da mãe. E, claro está que, como em todas as famílias… existia um certo ratinho um pouco mais traquinas do que todos os outros.
Era o mais novo da ninhada, talvez o mais mimado.
Cresceu a pensar que o mundo inteiro era um gigantesco parque de diversões, protegido pela astúcia do pai, a camuflagem dos irmãos, a ternura da mãe.
E claro que, quando num belo dia descobriu um maravilhoso pedacinho de queijo, a poucos centímetros da porta de casa… nem hesitou.
 
Como era saboroso.
A aventura, o sair do ninho, do seu buraquinho, sozinho… explorar todo o corredor, espreitar a cozinha, a despensa. Claro que não podia esquecer o Tobias ou o Tareco, mas o cachorro passava os dias a dormitar no tapete, junto à lareira… e o Tareco era um vadio, sempre a miar em telhados da vizinhança.
E a aventura… ah…. Que prazer incomparável…
 
Outro pedacinho de queijo? Milagre.
Esgueirou-se pela estreita abertura - era ele que estava a engordar ou a abertura estreitara ? - e lançou-se sobre o seu petisco. Ainda saboreava aquele néctar dos deuses… e já os seus olhinhos brilhantes descobriam outro pedacinho, a bem curta distância, junto da porta da cozinha.
- Hoje é o meu dia de sorte - pensou - os miúdos deixaram cair o lanche, só pode ser… aproveitemos, portanto…
 
E outro… e outro… - ainda espreitou se algum dos irmãos estaria a ver, não queria partilhar a sua descoberta com mais ninguém - mas não… o corredor permanecia em silêncio, as luzes apagadas.
Já na despensa, o delírio final. Dois… três… quatro, quatro deliciosos pedaços, perfumados, tenrinhos, com um aroma que lhe enchia por completo as narinas, deixando-o a salivar de antecipado prazer.
 
- Não consigo… não consigo mais… rebento… e ainda falta um pedaço…
Ainda pensou escondê-lo, para voltar mais tarde. Mas a barriga inchada, arrastando pelo chão, não lhe permitia grandes movimentos e esforços então… nem pensar.
Esfregou os bigodes, pleno de satisfação.
 
- Miau…
 
Miau? Ouvira bem?
Um miau… habitualmente significava … não, não podia ser, o Tareco devia andar a saltar pelos telhados, como sempre.
Virou-se lentamente, os bigodes a tentar descortinar algum odor familiar. Não precisou de se esforçar muito.
 
A curta distância, Tareco, o gato, segurava ainda entre as patas dois pedacinhos de queijo, que já nem precisara de utilizar para a sua engenhosa artimanha.
Miau… - fez ele novamente.
Gatos não riem - pensou o nosso ratinho - mas era capaz de jurar que aquele gato, em particular… estava mesmo a rir. E sentiu de repente um nó na garganta.
 
Correu, correu, correu… e o gato Tareco, tranquilamente, sem apressar o passo nem fazer esforço algum para o apanhar, lá foi atrás dele. Contornou a mesa da cozinha, derrapou na porta, atirou-se corredor fora, em direcção ao buraquinho estreito do lar, doce lar.
Mergulhou velozmente… mas… só a cabeça conseguiu transpôr a estreita abertura. O corpo, rechonchudo e lustroso, saciado de queijo, jamais conseguiria ultrapassar aquele último obstáculo, que o separava da salvação.
 
A passo lento e despreocupado, o gato Tareco lá se aproximou e com a pata, puxou-o para fora, segurando-o no ar pela cauda.
Lambeu os beiços, feliz.
 
Miau… - ronrronou novamente de prazer.  

 

publicado por entremares às 11:47
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13 comentários:
De Paula Raposo a 7 de Outubro de 2009 às 12:13
Pois...os gatos comem os ratos...beijinhos.
De entremares a 7 de Outubro de 2009 às 12:46
Olá Paula...

Pois... e às vezes a tentação é tão grande que... enfim, o Tareco agradeceu...

Beijos
Rolando
De Najla a 7 de Outubro de 2009 às 16:47
Ooooohhhhh...coitadinho do rato! Atão tu mataste o rato? Não era necessário ter sido comido....ficava sem a cauda, por exemplo! eheheheh
De entremares a 7 de Outubro de 2009 às 18:09
Oi, Najla...

Então e o pobre Tareco ? E a moral da história ? Olha que tu só me complicas a vida assim...

Beijos
Rolando
De libel a 7 de Outubro de 2009 às 22:16
Miauuu...ronrronou novamente de prazer, susteve a respiração, abriu muito os olhos e deu aquele sorrisinho amargo ao indefeso ratinho que se tentava livrar a todo o custo das garras daquele gigante peludo.

Muito assustado e quase sem ar...pedia misericórdia, mas..as intenções do Tareco não eram as melhores, pelo menos por enquanto, pois apesar de ter o conforto de um lar, já tinha sido um gato vadio e sabia muito bem o que era partilhar a comida com os seus amigos, a sua família, todos eram muito unidos e defendiam-se uns aos outros com unhas e dentes. Ainda agora sempre que podia, desviava alguma comida lá de casa para que todos se alimentassem. Um dia de abundância era um dia de alegria, pois poderia satisfazer alguns dos seus amigos mais necessitados.

E agora assim do nada, surge-lhe um rato atrevido e todo reboliço a chamar a sua atenção e a fazer-lhe perder as estribeiras. Precisava mesmo de uma lição este safadinho. Miauuuu..Miauuu....ralhava ...e o rato tão perto daquela boca enorme quase morria de susto. O Tareco não queria facilitar, e apertava-o cada vez mais....até que o rato disse-lhe:
Porque demoras tanto para me comer??..ao que o Tareco respondeu:

-Comer-te??..Eu não te vou comer...
-Então...porque me agarras?
-Porque tu mereces uma grande lição...tu és um rato muito invejoso e só pensas em ti...
-Euuu...porquê, apenas comi uns pedaçitos de queijo que encontrei...
-Pedaçitos!!.. tu ficaste tão cheio que sequer conseguiste entrar no teu lar doce lar....sabes o que isso é???
-Bem, sim...tens razão, mas....
- Mas...ouve o que te digo, a única coisa mais importante são os nossos amigos, a nossa família, aqueles que nos acolhem e nos amparam, nos dão comida e afecto. Nada...nada mesmo, sequer a gulodice nos pode tirar isso tudo, mais ainda quando nos aventuramos a perder a vida pela ganância. Percebes o que te digo??...
-Sim..sim...sim....tens razão, foi uma grande asneira, e agora posso ir para casa, é que tenho aqui no bolso dois pedaçinhos de queijo que gostaria de dar aos meus irmãos...posso??
-Claro que sim, vejo que percebeste...fico muito contente...Miauuuuuu...
-Ó páaa...vais agarrar-me de novo??....
-Se não saíres daqui depressa....

Miauuu...Rolando...ainda tás aí???....ehheheheh...
Não fiques zangado comigo, mas aquele ratito ainda tinha salvação e precisava apenas de uma bela lição....lol...Perdoas-me???.....

Beijokas amigo






De Luísa a 7 de Outubro de 2009 às 22:26
Rato, ratinho, que curiosidade a tua!
Ainda por cima cometeste a gula?
Pois agora aguenta...serás jantar dum gato reguila!

Sempre belas as histórias contadas!
É um prazer vir cá1
Beijinho terno
De Regina d'Avila a 7 de Outubro de 2009 às 23:00
Ai...
Coitadinho do ratinho...
Sei que existe um outro final, não é Rolando?
Consiga para o ratinho uma nova oportunidade...Vai... Afinal...ele só queria experimentar um pouquinho de queijo e uma brisa de liberdade...

Adoro sonhar com as suas histórias..
É...é muito mais...

Beijos,
Regina d'Ávila .
De Deusa a 7 de Outubro de 2009 às 23:10
olaaaaaaaaaaaaaa
Meu amigo
Esta história sua me colocou as "barbas de molho"
hahahaha
Esse negócio de sair da " toca" e ser engolido por um gato por causa de uns pedacinhos a mais .....
Ai minha Nossa
hahaahahah
De Jorge Soares a 8 de Outubro de 2009 às 00:04
Eu gosto de gatos... mas este é muito à frente, e onde arranjou ele o queijo?

O pecado da gula é terrível.. há tanta gente por aí a engordar e a esquecer que há vida lá fora :-)

Abraço amigo
Jorge

De Existe um Olhar a 8 de Outubro de 2009 às 11:04
Olá Rolando
Esta é uma daquelas histórias que eu usaria para explorar uma série de conteúdos com as crianças.
Daria trabalho para uma semana ou mais.
Ex:
Família
Alimentação
Sentidos
Formas
e muito... muito mais...apenas não revelaria o final da história, cada um fá-lo-ia a seu jeito, o objectivo seria gerar uma discussão sobre comportamentos e valores.
Como esta tens muitas mais com as quais se podem fazer excelentes trabalhos.

Beijos
Manu
De Jaqueline a 8 de Outubro de 2009 às 12:29
Olá Rolando , boa tarde!

Desculpa a minha invasão!

Não é habitual eu comentar blogs, mas o seu é impossível não fazê-lo, pois quando encontramos alguém que escreve tão lindamente como você e que nós faz pensar....
Tenho vindo aqui todos os dias, adoro ler seus contos!!

Parabéns!

Nunca deixe de escrever.

Um beijo no seu coração.
Jaque :)
De mfc a 8 de Outubro de 2009 às 17:13
Adoro finais felizes!
Detesto ratos...

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