
- Dás-me a tua mão?
Um pedido simples. Dito de forma simples, quase num murmúrio.
Ela estremeceu, como se o frio da noite tivesse descoberto subitamente um atalho para a alma.
Dar-lhe a mão?
Assim... tão de repente?
Caminhavam pela praia, já bem distantes do barzinho iluminado e dos sons do piano. A lua, semi encoberta por nuvens passageiras, iluminava-lhes os passos, deambulantes, ora tocando a espuma das ondas, ora afastando-se para o areal.
O silêncio, aqui e ali interrompido pelos gritos das aves nocturnas, era leve e molhado, saboroso. Ela sentiu que ele não esperava palavras, que lhe apreciava os silêncios, porque tudo fazia parte daquele quadro que nem ela ainda compreendia bem, porque tudo era confuso, dificil... e ao mesmo tempo delicioso.
Para onde caminhavam?
Em que mar findaria aquele rio de paixão em que ambos haviam mergulhado, pensando simplesmente... estar a salpicar o rosto de água fresca?
Não fora só o rosto.
A água do rio lavara-lhes o olhar de tristezas passadas, tratara-lhes as cicatrizes antigas de outras vidas, despertara em ambos sensações há muito esquecidas, amordaçadas no baú dos tempos antigos.
E agora... ali estavam eles, incrédulos e indecisos, rasgando medos, caminhando sózinhos na escuridão da noite como se tudo fosse a primeira vez – eles, ambos já vividos, repetidos, usados e abusados... como pessoas em segunda mão, procurando ainda um lugar ao sol.
Lá longe, a vida continuava. A dos outros e a deles próprios.
Ambos sabiam disso.
Tal como sabiam que os sonhos só tinham razão de existir.... para ser vividos.
E a medo... haviam chegado aquele ponto, o ponto onde ambos percebiam que iriam nadar juntos até à foz do rio.... fosse ela qual fosse.
- Dás-me a tua mão? – voltou ele a perguntar.
Dar-lhe a mão?
Sorriu.
- A mão...está bem... dou-te a mão. Também me queres o coração?