Segunda-feira, 5 de Outubro de 2009

Aquela janela verde

 

Fotografia gentilmente cedida pelo amigo João Meneres – obrigado João
http://grifoplanante.blogspot.com
 
 
Aquela janela verde. Como estaria ela agora?
Ainda existiria?
 
Rua das Flores, número dez, lembrava-se bem. A parede azul e branca, os batentes da porta com a forma de cabeças de leões, a chamimé de tijolo sempre a fumegar, as buganvilias vermelhas a espreitar pelo pátio.
Teria a rua ainda aquele velho empedrado, de pedras já gastas e luzidias? Ainda existiriam os mesmos candeeiros de ferro forjado, pendurados dos tectos? E o poço do bispo, ao fundo da rua... ainda alimentaria os canteiros de flores da dona Beatriz, o que seria feito dela?
Os olhos pousaram sobre os rostos da fotografia.
Um par de miúdos traquinas, só isso. Simplesmente, um par de miúdos... um aceno para a fotografia, ela a olhá-lo embevecida, ele despreocupado a posar para o fotógrafo casual.
 
Era inverno, ainda se cantavam as janeiras.
Ele chamava-se Bernardo, ela Alzira.
Ele brincava com carrinhos de madeira, heróis de papelão, bolas e fisgas de atirar aos pombos. Ela coleccionava bonecas e vestidos de folhos, andava sempre de vestidos de folhos.
Ele não reparara nela, ele não reparava em nada, para além do seu pequeno mundo de brinquedos, imenso quando se tem dez anos. Ela – Alzira – decidira sossegar aquele cantinho do coração que batia mais forte, sempre que ele se voltava para trás, nos bancos da escola. E perguntara-lhe simplesmente – Posso ir brincar contigo, depois da escola?
 
Pousou o album de fotografias e ajeitou os óculos. Ardia-lhe a vista, de cada vez que tentava destrinçar melhor os pequenos pormenores das fotografias – talvez por isso já a incomodava o tricot, coisa tão miudinha.
Um leve assobiar desviou-lhe o olhar.
- És muito teimoso, Bernardo, hás-de ser sempre teimoso... – e ajeitou-lhe melhor o cobertor sobre o peito. Mas o ressonar persistiu, aquele assobiar baixinho que ela já conhecia de há muito.
Quanto tempo se passara entretanto, desde aquela fotografia?
Sessenta anos? Talvez mais.
O fotógrafo ocasional, o tio do Bernardo, já falecera há muito, oferecera-lhe aquela fotografia num dia de aniversário, numa das suas visitas à aldeia.
Fora a primeira fotografia dos dois juntos, muito antes de todas as outras.
Sorriu, embevecida, a olhar para ele, como naquela mesma fotografia.
 
Como era lindo, mesmo a dormir, o seu Bernardo...
 
 
 

 

publicado por entremares às 06:44
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