
- Até amanhã, pro’ssora...
- Adeus, pr’ssora...
Ela lançou-lhes um sorriso.
- Adeus, João... adeus Catarina... portem-se bem... e não se esqueçam de fazer os trabalhos...
Eles sairam em corrida e ela dedicou-se a arrumar os papéis, a apagar o quadro, a apanhar os lápis e borrachas que sempre ficavam esquecidos de um dia para o outro, sobre as mesas ou no chão. Era sempre assim, a rotina diária.
Pousou os óculos acastanhados sobre o tampo da mesa. Gostava da profissão, a sério que gostava, mas naquele dia sentia-se particularmente cansada, como se a semana que ainda ia a meio fosse só um amontoado de segundas-feiras, todas elas cansativas.
Acabou de arrumar as suas coisas, despediu-se das colegas e saiu para a rua. O sol forte fê-la fechar os olhos. Setembro? Calor? O calendário inaugurara já o outono, mas aquele sol era um sol de verão, um sol quente e radioso, a pedir girassóis e palmeiras a esvoaçar ao vento.
Levou a mão à mala e retirou um par de óculos escuros, de lentes azuladas.
E mal os colocou, o mundo mudou de cor, quase de forma.
Ajeitou a saia e fez-se à rua.
Não precisava de olhar para trás... para saber que eles tinham ficado a olhar para ela.
Um sorriso enigmático moldou-lhe o rosto esbelto, a figura elegante, o andar seguro e ondulante.
Não eram só os estereotipados homens das obras que assobiavam à sua passagem; os vulgares transeuntes, os leitores de jornais ambulantes a caminho de casa ou do emprego, erguiam os olhos e lançavam-lhe um sorriso de desejo, uma piscadela de olhos furtiva, um beijo dissimulado.
Sabia ser sedutora, e sabia como seduzir. E sem nada provocar, sabia simplesmente que quando olhava para o mundo através daqueles óculos azuis, o mundo lhe sorria daquela forma ousada e ciumenta, como ervas cinzentas a contemplar uma flor amarela, que tivesse brotado solitária, em pleno alcatrão.
Continuou imperturbável o seu caminho, respondendo de vez em quando a algum piropo com um sorriso de compreensão, o que ainda lhe aumentava mais o encanto.
Definitivamente... uma flor. Uma maravilhosa flor amarela, no meio do alcatrão cinzento.
A vantagem da grande cidade, daquela cidade em particular... era a presença do mar. Um mar azul profundo, magnético, que rebentava em ondas de espuma no molhe, ao longo de todo o paredão da marginal, salpicando de espuma quem passava.
Aquele era o seu recanto, o seu refúgio pessoal.
A caminho de casa, muitas vezes os passos se desviavam sózinhos para ali, o espirito sequioso de se perder na imensidão azul.
Procurou um banco afastado e sentou-se, contemplando o mar.
Retirou os óculos azuis e deixou que a maresia fresca lhe banhasse o rosto.
Quem era ela?
Às vezes – tantas vezes – interrogava-se sem respostas, confinada às suas próprias dúvidas. Era tanta gente ao mesmo tempo, vestia tantas roupagens e tantas vezes se quedava assim, absorta e incerta, sem realmente saber qual a verdadeira cor da sua pele.
Quando colocava os óculos castanhos, sentia-se meiga, a professora ternurenta dos seus meninos. Às vezes, não resistia à tentação e aqueles óculos cor-de-rosa, em armação de metal, davam-lhe o ar mais selvagem, o seu ar mais nocturno, quando conseguia balouçar o corpo frenéticamente nas pistas de dança, noite dentro, sem se cansar. E outras vezes, aqueles óculos azuis como o mar deixavam-na como um malmequer reluzente, espalhando feitiços de sedução por onde passava.
Fechou os olhos, para sentir o mar.
Sem óculos, sem mais nada para além de uma vontade enorme de descobrir quem na realidade... era.
Nunca conseguira saber. Sempre que se despia daquelas cores, mudava de ser como um camaleão. Ela era tudo aquilo, era todas essas cores e ssas facetas, um baú cheio de personalidades, todas desarrumadas e despenteadas, ao sabor do sol e do vento, sempre prontas a despontar e a comandar-lhe a vida.
Ela era... aquilo tudo.
Sorriu.
Afinal de contas... sentia-se bem consigo própria. Mesmo sendo muitas, mesmo sem se compreender na totalidade.
Sentia-se viva... e imprevisivel.
Uma onda rebentou de mansinho no paredão e salpicou-lhe o rosto de espuma.
A sua alma de sereia sorriu.
Apesar do cansaçao... sentia-se bem.
Com a vida.
De
libel a 25 de Setembro de 2009 às 09:49
Bom dia Rolando, vou estrear este post...Yessssss...vai ser só meu...meu...tipo aqueles gelados que fazemos questão de saborear até ao fim na esperança que ninguém se lembre: Dás-me um bocadinho...Grrrrrr.....queres mesmo??...A sério (--) mas... eu já lambi..., não faz mal..., uiiiiii...
Quanto aos óculos são as tais capas, aquelas que nos protegem, nos soltam, nos escondem, nos despertam...enfim, aqueles pequenos pormenores, aquele pequeno objecto que nos tira um pouco da realidade e nos transporta para outra galáxia, aquela que sentimos falta, que nos deixa saudades, que nos tira do sério, mas que apenas a podemos visitar de tempos em tempos, pois os pés ficam assentes no chão e a nossa vida é esta mesmo que estamos a viver. Agora uma coisa é certa, SONHAR É PERMITIDO E FAZ BEM!!!...
-Tás a olhar para onde?...queres um bocadinho??...
- hããããã...do quê??
-oh..não disfarçes, eu vi-te a babar....
-Euuuu...nem penses, deixa lá.
-Eu deixo-te um bocadinho prometo, a última parte é a melhor, tu sabes..mas...
-Mas....vais dar-me a parte melhor??
-Sim
-Sim??...estás bem??...tu detestas dar essa parte..
-Não é uma questão de detestar, é pelo prazer de saborear essa parte e saber que depressa vai acabar...percebes??
-Sim, percebo e por isso acho que estás estranha.
-É dos óculos.
-Dos óculos??..agora bloqueei mesmo...podes explicar..
-Ohh...deixa lá, já estou atrasada, toma, está óptimo!!
-(??)....
Beijokas fresquinhas tipo Magnun...
Olá, Magnusm ( Oops, Libel )
Gostei da tua " Sonhar é permitido e faz bem". Vou dar o recado a esta personagem da história...
PS nº1 - Olha que a história do gelado... faz favor de a continuar, agora estou em pulgas, quero mais.
PS nº2 - Hoje está decidido, não há pipocas... é gelado para toda a gente...
E viva o verão ( neste caso o outono e a primavera, para cobrir todos os continentes... )
Beijos
Rolando
Sentir-se bem consigo e com o mundo é um privilégio!
Gostei da sensualidade e da imprevisibilidade...beijos.
Oi, Paula
Nem sempre nos sentimos assim, pois não? A vida e o mundo insistem em querer trocar-nos as voltas...
Beijos
Rolando
De
Patricia a 25 de Setembro de 2009 às 11:35
Somos todos um pouco assim. Sinto-o bastante, comigo e com os outros. Somos seres sóbrios, profissionais e competentes, mas somos também seres que têm uma vida para lá das roupas informais que vestidos, ou da seriedade do emprego que temos.
Há uma história curiosa, aqui no emprego ia receber naquela tarde um jovem candidato a um pequeno emprego na empresa. Quando abri a porta dei de caras com o rapaz que há duas semanas estava na discoteca a 'galar-me' de uma maneira que não gostei, à qual tomei a medida de chamar o segurança, pois não consegui que de outra forma o rapazito me deixasse estar sossegada. Bom, foi um choque, mas mantive a postura, recebi-o bem, etc e tal.
Quando saiu a minha chefe contou-me uma história igual à minha. Resumindo, foi o único candidato, acabou por ficar, e mostrou-se competente e profissional.
Olá, Patricia... que história, hem?
Que história.
Temos tantas caras... tantos pares de óculos, tantas facetas...
satisfaz-me a curiosidade, se puderes... o tal mocinho candidato... continuou a ter as duas "caras" ? Ou "vergou" uma delas à outra?
Beijos
Rolando
Ai Rolando
Não sei que diga...ou melhor, teria tanto para dizer...
Pode parecer pretensão da minha parte, por isso não vou escrever tudo o que gostava, mas acreditas que tive a sensação que estavas a escrever para mim?
Os meus óculos escuros...o meu mar...e mais não digo...tu disseste tudo.
Beijos
Manu
Olá, Manu
Fico feliz, acredita... por não não serem precisas mais palavras.
Beijos
Rolando
Profissionalismo, sensualidade, e tudo mais.
Somos assim: camaleões sociais , e, claro os óculos são o nosso álibi
Quando estamos a bem connosco, estamos a bem com o mundo.
Um abraço
Oi, Concha...
Sabes, é uma das ( muitas ) coisas que admiro nas mulheres... a capacidade de se reinventarem... com uma classe e elegância que inevitavelmente, deixa abaixo qualquer pretensão masculina...
Com ou sem óculos escuros.
beijos
Rolando
De
lis a 25 de Setembro de 2009 às 15:20
Permita-me imaginar como a Manu , que escreveste pra mim também rsrsrs esse ar professoral, essa vozinha por detras da mesa dizendo, tchau fessora ! o óculos de lentes azuis como o mar, paar esconder toda ou alguma chateação (?), os olhares furtivos e gulosos da " malta" catedrática rsrs e aquele mar a se derramar na areia fininha da praiia. Sou eu ou nao sou ?
´Depois dessa leitura supimpa só posso dizer que estou me sentino muito bem .
Lindo, Rolando, um poema.
Abraços
.
Oi, Lis...
Deixas-me assim a modos que encabulado...
E ainda por cima, imagino que nem precises dos óculos escuros ( azuis ou não ) para "arrasar" os coitados com que te cruzas...
( este piropo saiu-me bem, reconheço )
Tudo de bom para ti, Lis.
Beijos
Rolando
hoje era um desses dias em que uns óculos azuis me daria um jeito......
apesar do sol, da luz do Verão que se prolonga, nem sempre os dias nos parecem tão claros e luminosos como os outros os veem.
Enfim estas nostalgias em mim são saudades desse Outono anunciado e tardio de que tanto gosto.
(poizé, uma Alentejana a ansiar pelo inverno!!!)
Beijinho, este texto está tão bonito!
Olá, Alentejana Outonal...
Não soa muito bem, mas evoca-me uma imagem bonita, de folhas castanhas.
Olha... só para te dizer que tenho aqui, à volta da fogueira, uma colecção de óculos de todas as cores. Vou providenciar e enviar-te já, já, já... uns óculos azuis.
Beijos.
Rolando
Olá, Rolando!
Parece que estás a descrever uma geminiana, hehehe
Somos tão camaleoas, mas sem intenção, só para nosso próprio bem!
Bela capacidade a tua de captar nossas muitas personalidades em uma só!
Tenha um ótimo final de semana, amigo!
Tenho vindo te ler, mas sem tempo de comentar. Adoro teus contos. Até recomendei teu blog para uma amiga!
Um abração,
neli
Oi, Neli...
Como geminiana, nem precisas de ler nas entrelinhas, não é? Está lá tudo...
Portanto... já nem preciso de te oferecer um par de óculos azuis, pois não ?
Beijos.
Rolando
De
Teresa a 25 de Setembro de 2009 às 18:44
Olá Rolando
Vou providenciar uns óculos azuis para quando saio da escola, depois de dar aulas às minhas turmas de CEF. Óculos azuis, já!
Oi, Teresa...
Tenho a certeza que nem precisas deles... mas de qualquer modo, vou reservar-te um par, daqueles com uma armação bonita. Vem numa caixinha de veludo azul escuro, traz um laçarote amarelo...
Tudo de bom para ti.
Beijos.
Rolando
De
GISLENE a 25 de Setembro de 2009 às 20:40
OLÁ, ROLANDO
SOMOS MUITOS EM UM SÓ...
PENSAMENTOS DIFERENTES, GOSTOS DIFERENTES...
ORA ISTO, ORA AQUILO...
MÁS NÃO É FALTA DE PERSONALIDADE, NÃO...
ISTO CHAMA-SE INTELIGÊNCIA... MOVIMENTO...PENSAMENTOS...VIDA...G
ACHO QUE TALVEZ NUNCA CONSIGAMOS NOS DEFINIR EM UMA SÓ COR...
SOMOS MUITOS EM UM SÓ...
BEIJOS, E ATÉ
GISLENE.
Somos sim, Gislene, somos muitos...
Todos os dias, levantamo-nos diferentes, às vezes sorrindo, outras vezes com vontade de ver o muno ao longe. faz tudo parte... e todos os dias... também são diferentes, não é? tal como nós...
Beijos.
Rolando
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