
- Não... assim não, nem pensar...
Com um gesto seco, amarrotou sem piedade a folha de papel, ainda húmida de tinta.
- Talvez se tentasse ser... – ainda murmurou.
Bateu nervosamente com a ponta da caneta no tampo de madeira. Onde se refugiara a inspiração, agora que mais precisava dela?
Lançou a bola amassada de papel para junto de todas as outras, caídas em redor do caixote do lixo.
- O começo… o começo é fundamental… é o mais importante… se errar no começo, o que pensarão de mim… não, não pode ser…
Por mais que se esforçasse, as palavras teimavam em não pingar do aparo. Colocou uma música de fundo, abriu a janela, voltou a encher a chávena de chá, ergueu-se e voltou a sentar-se… para nada.
Quantas vezes já tentara começar aquela aventura? Cem, mil? Já lhe perdera a conta. Sabia o que queria escrever, planeara-o até ao mais ínfimo pormenor no seu espírito metódico e organizado. Dividira a história em capítulos, em planos, esboçara até em rascunho os contornos das principais personagens. Nada.
A folha branca, pousada sobre a escrivaninha de madeira, parecia querer dizer-lhe algo.
Indecisão.
Sempre fora o seu grande defeito, a sua mais secreta limitação. Sentia-se fadado para um destino grandioso, mas nunca soubera qual a porta que deveria tentar abrir em primeiro lugar. Queria simplesmente… não errar.
Mas o tempo passara, a indecisão persistira… e agora, já bem perto da velhice, descobrira que afinal… ainda não abrira nenhuma porta, com medo de errar…
Tal como aquela folha branca, e todas as outras folhas brancas dos inúmeros cadernos e blocos de apontamentos que inutilizara, sempre à procura do prefácio ideal, da primeira frase que resumisse a sua obra… a sua obra prima.
Afinal de contas… aquela seria a sua autobiografia.
Pensara escrevê-la há mais de vinte anos… e pacientemente, tentara começá-la todos os dias… sem sucesso. Nunca encontrara as palavras certas para se descrever a si próprio e preferira nada escrever… com medo de escrever o errado, com medo de menosprezar o seu futuro grandioso, que continuava a acreditar… se iria realizar um dia.
O relógio de parede bateu as doze badaladas, como todos os dias.
E como todos os dias, o escritor adiado levantou-se, na sua rotina costumeira, guardou o bloco de apontamentos na gaveta da escrivaninha, enroscou a caneta de tinta permanente e afastou os cortinados da janela.
A hora da refeição, metodicamente servida ao meio-dia, era sagrada.
- Nada como um espírito disciplinado – pensou, enquanto se dirigia para a porta do escritório – e aliás…sinto que amanhã me deverá chegar a inspiração… ou na pior das hipóteses… depois de amanhã…
Eu penso: adiar o futuro com medo de errar não pode ser.
Digo, eu penso, porque é mesmo a minha opinião. Com medo de errar as pessoas deixam de fazer um monte coisas que poderiam até ter feito se não tivessem esse medo absurdo.
Para mim absurdo.
Por isso continuarei sempre a escrever, o que sinto, mas não tenho medo de errar...isso, jamais!
Muito subjectivo.
Beijinhos, gostei de te ler, como sempre (mas isto não é preciso dizer...).
Oi, Paula...
Quando comecei a escrever as primeiras linhas... tinha na cabeça aquela ideia que diz assim: " O bom é inimigo do óptimo". E fiquei pensando que, na verdade, às vezes se adia tudo... à espera de momentos especiais, ao invés de "provocar" esses momentos especiais...
Beijos
Rolando
Belo retrato de tantas vidas, quantas coisas deixamos de fazer, quantas historias deixamos de contar? Falta de inspiração, falta de valor, falta de tempo... no fim, tudo se traduz em ... falta de vida... falta de coisas que deixamos de construir, de coisas que deixamos de viver... somos assim, afinal, só somos humanos.
Abraço
Jorge
Meu caro Jorge...
Estás cheio de razão."Falta de vida" é a expressão feliz para esta história... apesar do escritor adiado ainda continuar a acreditar num futuro glorioso...
Um abraço.
Rolando
De
mfc a 17 de Setembro de 2009 às 17:55
Ohhh... como entendo isso!
Olá Mfc...
Entendes?
Provavelmente todos somos um pedacinho assim... uns mais ... outros menos... adiando.
Um abraço
Rolando
Olá Rolando
Lembrei do último post e da frase que lá deixaste.
Tanto medo de arriscar, tantas folhas em branco...tanta coisa adiada.
Amanhã... não será tarde demais?
Espero que nunca deixes nenhuma página em branco e que continues a escrever...pode não ser a história da tua vida, mas certamente será a tua vida cheia de histórias.
Beijos
Manu
Ah, Manu... folhas em branco, pois... sempre haverá algumas, certamente... Lembras-te... quando caminhas pela prais, depois dos outros partirem...nunca conseguirias apanhar todas as pedrinhas que te atraem, pois não?
A vida é tão curta... ou somos só nós que transbordamos de planos ainda por cumprir?
Beijos
Rolando
Recebi o recado, Rolando...
O seu escritor adiado é uma metáfora para um certo blogueiro que plana, plana entre mares e não tem pousado...
Hoje, não adiei.
Um abraço com o pedido da sua compreensão.
Amigo João....
Por motivos que hoje não posso explicar ( só amanhã, prometo ) ver aqui o seu comentário fez-me sorrir, pela terrível coincidÊncia que representa.
Amanhã... logo perceberá do que estou a falar...
Um abraço.
Rolando
Fico cheio de curiosidade. Mas sei esperar!
De um modo geral, gosto de coincidências, porque costumam ser felizes.
Ao aplicar o "terrível" já me previne que poderá não ser assim...
Mas, fico sereno.
Um abraço.
De
GiGi a 17 de Setembro de 2009 às 20:02
Prefiro acreditar que para tudo existe um "momento propício'.
Talvez, ainda não fosse o momento de o nosso escritor elaborar sua auto-biografia!
Beijos
Não sei, GiGi, a sério que não sei....
Descrevi-o quase como um bibliotecário, um homem preso aos seus próprios hábitos, demasiado temeroso para arriscar... e pergunto-me: Enquanto tivermos medo... conseguiremos reconhecer quando nos bater à porta esse " momento propicio" de que falas?
Beijos
Rolando
LIndo Blog.
Parabéns!
Obrigado André, pela visita.
Só posso dizer que o melhor aqui são todos os amigos que aqui gostam de vir tomar café, sentar e contar histórias uns aos outros.
E como a gente costuma dizer: É sempre bemvindo quem vier por bem...
Fica à vontade e se precisar de alguma coisa, mande um grito. A gente aqui ouve sempre.
Um abraço.
Rolando
De
Sofia a 17 de Setembro de 2009 às 21:00
O medo e a indecisão sempre foram um entrave à vida...
Isto ninguém me disse, aprendi eu nos meus 11.375 dias de vida...
Continuação de uma óptima semana
Oi, Sofia...
É verdade o que dizes sobre o medo e a indecisão.
E a propósito, obrigaste-me a ir fazer contas, claro...
Ora bem... 11.375 dias são... deixa lá ver... 31 anos, 2 meses e 4 dias, mais umas horitas... uma vez que nasceste à hora do chá britânico...
Beijos, Sofia.
Rolando
PS. O teu filho está a ficar assim com umas saídas a modo que precoces...
De
lis a 18 de Setembro de 2009 às 00:59
Esse texto me faz pensar que tenho alguns sentimentos que nao sei ou nao quero nomear, mas um deles com certeza é a indecisão. E sempre custa caro adiar , fica a sensação de como seria ... mesmo se errasse , como seria?
Boa reflexão , talvez nao reste mais tempo. Escapou.
Obrigada pelas palavras amáveis, nao ha de que , voce merece !
Bjs
Olá, Lis...
Você é indecisa? Nem parece.
Talvez sejamos todos um pouquinho.
Afinal de contas.... não estamos ainda à espera de fazer a nossa "obra-prima" ? Só os pessimistas incuráveis é que talvez acreditem que já fizeram tudo o que de bom podia acontecer...
Beijos
Rolando
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