Segunda-feira, 31 de Agosto de 2009

A deusa das águas

Pintura de Maxine Gadd

 

 

Nos tempos em que os homens ainda falavam com a mãe natureza, existia uma pequena ilha, esquecida no meio do oceano, habitada por sereias.
Por vezes, os marinheiros receosos voltavam ao porto, contando histórias fantásticas de monstros marinhos, de tentáculos gigantescos e ondas mais altas que montanhas. Ao redor de uma rodada de rum, despediam-se dos que já haviam partido, engolidos pelas ondas ou perdidos pelo canto das sereias.
O mar, omnipresente e omnipotente, comandava a vida de todos os pescadores, de todos os marinheiros, de todos os aventureiros que se atreviam à conquista de um mundo novo, inóspito e… sedutor.
Mas o mar não se deixava conquistar por ninguém.
 
A ilha não tinha nome, nem localização certa. Quem já a vira ao longe, garantia ser pequena, escarpada, uma mancha verde a sobressair da imensidão das águas, algures a meio da viagem entre a ponta de Africa e o Novo Mundo.
Mas ninguém voltara vivo para contar a história, nem tão pouco confirmar as lendas.
Excepto talvez o Jim, o velho marinheiro que passava os dias a deambular pela costa, perscrutando o horizonte, como se esperasse a chegada de um navio. Às vezes, viam-no no bar, sozinho a uma mesa, a devorar com sofreguidão canecas de rum, rodando compassadamente um colar de conchas que nunca largava das mãos.
Uma vez, alguém ouvira o Jim dizer:
- Não é o que vocês pensam… aquela ilha é a coisa mais bela que vocês algum dia poderão ver à face da terra…
Nunca lhe conseguiram arrancar mais palavras ou explicações.
 
Muitos anos se haviam passado, desde que Iemanjá o vira partir, de coração desfeito.
O destino dos homens é outro – dissera-lhe o pai, para a consolar – os homens não nasceram para viver nas águas, como nós…
- Mas, pai… aquele homem… é tudo aquilo com que eu algum dia sonhei… percebe os meus cantos, afaga as minhas lágrimas, conta-me histórias para adormecer…
- Mas é … um homem, minha filha. E tu és Iemanjá, a deusa das águas, a rainha do mar. E ele precisa de voltar para junto dos seus semelhantes…
Iemanjá nunca conseguiu demover o pai, o senhor supremo dos céus e da terra. Tão pouco lhe disse que já era tarde, que já era demasiado tarde para o esquecer.
Podia ela ser uma sereia, podia ele ser um homem…. E mesmo assim, ela sentir que finalmente encontrara a sua metade perdida, a razão última de todas as suas perguntas sem resposta?
Ele fora o primeiro que conseguira olhar para ela, para além do aspecto diferente, para além do olhar, para dentro da alma. Tocara-lhe os sentidos, amara-a na espuma das ondas e adormecera depois nos seus braços, indiferente às águas, ao olhar curioso das medusas e ao barco que partira sem ele, julgando-o perdido.
E estava.
Perdido. De uma forma que nem ele conseguia traduzir em palavras.
Perdido… e encontrado.
 
Iemanjá fechou os olhos. De lábios entreabertos, sorveu os últimos aromas do seu paraíso. Para trás ficaria todo um mundo que lhe era familiar, a sua casa, todos os amigos e conhecidos. À sua frente, um mar imenso, incógnito e habitado por monstros desconhecidos aguardava-a.
O mar… e uma demanda.
Porque tudo tinha um tempo próprio para acontecer.
 
- Um dia… eu vou procurar-te… esperarás por mim?
Ele dissera-lhe que sim, que esperaria.
Todas as marés que o vento lhe levasse… ele esperaria.
 
Chegara a hora.
Mergulhou.
 

 

publicado por entremares às 13:22
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16 comentários:
De lis a 31 de Agosto de 2009 às 15:09
As sereias no imaginário masculino transitavam com mais frequencia, mas tambem sempre gostei de histórias onde elas apareciam sobre as pedras. Sempre lindas.
A rainha das águas ,Iemanjá se enfeitça mesmo por marinheiros misteriosos, ela é namoradeira rsrrs
Na vida real, estamos muitas vezes a esperar que as marés nos tragam bons ventos....
Por aqui, o solzinho apareceu tímido, bom chegar logo a primavera e com ele um pouquinho de calor de Elvas.
Beijinhos, boa semana.
De entremares a 31 de Agosto de 2009 às 15:19
Pois é, Lis...Iemanjá tem aquele "encanto" de enfeitiçar todos os homens, não é?

Na vida real, que venham muitas e boas marés... e sim, por favor, leva um pouco deste calor aqui de Elvas ... 39º é muito, mesmo para os mais friorentos...

Beijos.
Rolando
De Thiago Pignataro Oshiro a 31 de Agosto de 2009 às 15:53
"Olá colegas,
Deixo aqui a divulgação da Primeira Olimpíada Nacional em História do Brasil, iniciativa inédita no país, organizada pelo Museu Exploratório de Ciências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com o apoio do CNPq. A Olimpíada é para escolas públicas e particulares e acontece pela internet, com equipes formadas por estudantes do oitado e nono anos do ensino fundamental e por estudantes do ensino médio, juntamente com seu professor. As inscrições já estão abertas!
www.mc.unicamp.br
Obrigado"
De Regina d'Ávila a 31 de Agosto de 2009 às 16:09
O canto da sereia...Quantas histórias de pescadores...
Sim...tudo tem seu tempo..
Será que esta espera seria muito longa??
Mas..a espera também é aprazível...bom viver cada momento..
Beijosssssss
De entremares a 31 de Agosto de 2009 às 22:17
Oi, Regina...

As esperas são assim, a gente nunca sabe quanto tempo duram... e aqui, ambos sabiam que a espera valeria a pena...

Beijos.
Rolando
De Existe um Olhar a 31 de Agosto de 2009 às 19:07
Uma narrativa linda de amores impossíveis e de esperas intermináveis.
Penso que são estas as verdadeiras histórias de amor.

Beijos
Manu
De entremares a 31 de Agosto de 2009 às 22:18
Manu... todas as histórias de amor têm esperas, não têm ?

O amor deve ter destas coisas... como diz o poeta... tem razões que a razão desconhece...

Beijos.
Rolando
De manuela baptista a 31 de Agosto de 2009 às 19:33
Gostei deste Jim marinheiro, enfeitado de conchas e de sal, embebido em rum, enfeitiçado pela ilha do tesouro e pelo tesouro da ilha.

Afinal é ele o sereio da história?

Manuela Baptista
De entremares a 31 de Agosto de 2009 às 22:21
Olá, Manuela...

Para ela... sim, ele sempre será o sereio.
E assim lá vamos assumindo que tudo é possível, mesmo quando as diferenças são tão grandes...

Um abraço
Rolando
De GISLENE a 31 de Agosto de 2009 às 20:04
O MAR E SEUS MISTÉRIOS...
IEMANJÁ, O HOLANDÊS VOADOR...
ACHO ESSES ASSUNTOS INTERESSANTES, INTRIGANTES E QUE POUCOS SERES HUMANOS DÃO VALOR...
GISLENE.
De entremares a 31 de Agosto de 2009 às 22:24
Oi, Gislene...

Bemvinda a este cantinho. Hoje, a deusa das águas fez-nos estas confidências, confessou-nos o seu amor pelo marinheiro Jum...

Você já conhecia o nome da deusa das águas?

Beijo.
Rolando
De Paula Raposo a 31 de Agosto de 2009 às 20:42
Poderia adjectivar de fantástico. Mas parece-me pouco...
Achei lindo o teu conto.
Beijos.
De entremares a 31 de Agosto de 2009 às 22:25
Oi, Paula... espero que acredites... mas foi um dos contos que mais prazer me deu a escrever...

A sério.

Beijos.
Rolando
De João Menéres a 1 de Setembro de 2009 às 00:40
ENTREMARES

Apreciei imenso a sua IEMANJÁ
Se me permite, felicito-o vivamente com um abraço forte.
De Guerreira a 1 de Setembro de 2009 às 00:42
Olá boa noite.
Gostei bastante desta história, seja com uma sereia e um marinheiro, seja com quem for.
No amor não se escolhe cores de olhos, pele, cabelo, estruturas fisicas, personalidades, acontece e pronto, como li à pouco "o amor tem razões, que a razão desconhece", sem duvida uma frase perfeita para identificar o amor, simplesmente não se explica, sente-se e é das coisas mais magnificas de se sentir.
Quem ama, espera, aguenta, perdoa...!
Sem duvida uma grande história de amor.
De Sara a 1 de Setembro de 2009 às 17:17
Acabei de ler e soltei um "Uau"... é um conto cheio de imaginação, encanto e sonho!

No início ainda pensei no "velho do Restelo", agora no fim pensei... temos realmente o destino traçado ;)

Beijos

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