Terça-feira, 11 de Agosto de 2009

O apanhador de pedras

 

Maré baixa.
Uma língua de areia branca, em forma de quarto-crescente, prolongava-se mar adentro, como um tentáculo rodeado de espuma branca.
O mar, sempre caprichoso, polvilhava de pequenas ilhas toda a bacia, durante a maré baixa, reproduzindo um rendilhado azul e branco, com as pequenas ondas a desfazerem-se em espuma em todas as efémeras praias, de encontro às rochas cobertas de lismos verdes, mexilhões e percebes.
Avançou até ao final da língua de areia. De um lado, uma quantidade infindável de pequenos seixos rolados, de todas as formas, cores e tamanhos; do outro, areia finíssima, reflectindo o sol de um branco ofuscante.
Inclinou-se e apanhou uma das inúmeras pedras.
- Tão diferentes… como é possível serem todas tão diferentes? - murmurou.
Deixou-a rolar por entre os dedos, para soltar a areia.
A pequena pedra, de forma quase esférica, parecia ter sido formada pela fusão quase perfeita de duas metades - uma completamente negra, outra de um branco imaculado.
- Que equilíbrio… - pensou para consigo próprio.
 
Uma onda mais atrevida veio tocar-lhe os pés descalços. As conchas mais leves, em alegre rodopio, rolaram sobre si próprias, num estranho bailado de cores… irrepetível a cada nova onda, a cada nova maré.
O apanhador de pedras guardou o seu pequeno tesouro no bolso dos calções e seguiu tranquilo o seu passeio à beira-mar.
 
Amanhã, numa nova maré, outra pequena pedra, de outras formas e cores, lhe chamaria a atenção. Todas tão únicas e diferentes como as dunas de areia da praia, empurradas pelo vento.
 
O que tinham todas elas de especial?
Nada.
Especial, quando muito… poderiam ser os olhos que reparavam nelas…

 

publicado por entremares às 11:41
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21 comentários:
De DyDa/Flordeliz a 11 de Agosto de 2009 às 15:56
Bonito para mim... feio para ti...especial para ele...vulgar para ela...
E um olhar e um sentimento diferente para cada coisa que nos rodeia.
Não é isto o que chamamos de vida?!

De entremares a 11 de Agosto de 2009 às 17:30
É sim, isto é a vida, faz parte da vida...
Por isso é que uns pintam quadros, outros compoem poemas, outros escrevem blogs. Cada um vê a beleza conforme é...

Uma coisa é certa... nada é vulgar...

:)
De Regina d'Ávila a 11 de Agosto de 2009 às 19:20
Especial era o olhar...sereno...calmo..
E mais especial é alguem conseguir passar todo este sentimento para um texto tão lindo..
Parabénssssssssss.
Como sempre..
Beijosssssssssssss
De entremares a 11 de Agosto de 2009 às 20:53
Oi, Regina...
Todos somos especiais, não é ?
Cada um de sua forma, à sua maneira, construindo coisas únicas...

Mas quem repara... o que é?

Muitos beijos.
Rolando
De julieta barbosa a 11 de Agosto de 2009 às 21:42
Rolando,

Apesar do belo texto, confesso que me distraí olhando as pedrinhas coloridas... É que elas - principalmente as escuras - me levaram a um outro cenário: no filme "Alguem tem que Ceder" há um momento significativo relacionado as tais pedra escuras. Lembranças de uma mulher romântica. Perdoe-me!
De entremares a 12 de Agosto de 2009 às 14:07
Oi Julieta...
Não vi o filme, mas pelo que diz... é fácil distrair-mo-nos, não é? Principalmente com tantas " pedras coloridas " à nossa volta...

Beijos.
Rolando
De mfc a 11 de Agosto de 2009 às 21:42
E assim é a vida... é preciso repararmos nela.
De entremares a 12 de Agosto de 2009 às 14:09
Como tudo, afinal...
Isto não é só válido para as pessoas... ou para as pedras, pois não?

:)
De Existe um Olhar a 11 de Agosto de 2009 às 21:56
Revi-me neste texto.
Como adoro andar entretida a apanhar pedrinhas que o mar vai trazendo!
Sempre que o faço penso que um dia o mar me trará uma especial, muito diferente das que apanhei no dia anterior.
É também uma forma de meditação , por isso achei o tag "zen" apropriado para o momento.
Beijos
Manu
De entremares a 12 de Agosto de 2009 às 14:11
Imaginei que sim, Manu... imaginei que sim...
As pedrinhas são como tudo... ( sabias que tem umas especiais na Polvoeira? )...

Beijos.
Rolando
De Jorge Soares a 11 de Agosto de 2009 às 22:49
É o que faz do mundo um lugar muito interessante e cheio de arte, aquilo que para uns é uma simples pedra, para outros é uma jóia, e é da capacidade de olhar e ver a jóia que lá está que nasce a cultura, da sensibilidade para a saber tratar, que nasce a arte...... e felizmente, nem todos gostamos da mesma pedra preciosa...

Abraço e boa escrita
Jorge Soares
De entremares a 12 de Agosto de 2009 às 14:13
É verdade, Jorge... e como de costume... quem repara nos diamantes em bruto que andam por aí? Nem os sabem reconhecer, pois não ?

Um abraço.
Rolando
De sonia a 12 de Agosto de 2009 às 14:03
Olá amigo...
Seus textos são fascinantes.
Seu blog,é uma verdadeira lição de vida e encantamento para mim,pois passo horas por aqui,.é como um livro, que enquanto não termino não quero fecha-lo.
Parabéns
Bjs
Soninha
De entremares a 12 de Agosto de 2009 às 14:16
Oi, Sonia...
Fico feliz que se sinta em casa, enquanto navega por estes "entremares"...
As histórias... são pormenores do quotidiano, são fragmentos de sonhos, restos de conversas inacabadas, canções à lareira... de tudo um pouco...

Beijos.
Rolando
De dade amorim a 12 de Agosto de 2009 às 18:55
Seu blog (e seus comentários, pelo que vi) transmitem uma atitude de paz e atenção às pequenas coisas, aos estados das pessoas. O mundo precisa muito disso, não é mesmo?
Grande abraço e obrigada pela visita.
De entremares a 13 de Agosto de 2009 às 11:37
Oi, dade... Obrigado pela visita...

Suponho que sim... que faz falta passar um pouco a ideia que "todos somos especiais"... mesmo que seja mais fácil reparar isso nos outros que em nós próprios...

Sinta-se em casa, está bem?
Um grande abraço.
De Lis a 12 de Agosto de 2009 às 19:10
Essas pedrinhas ,sempre que as encontro ,fico admirada de serem tao lisinhas, de vários tons de cinza ,branco, marrom e sempre me pergunto porque tao arrumadinhas,polidas como se fossem lapidadas por algúém. Perfeitas. Olhar a natureza é estar sempre se surpreendendo com tanta beleza! OLhar o mundo e os que nele habita, também...
Abraços
De entremares a 13 de Agosto de 2009 às 11:39
Sabes, Lis... nunca te aconteceu pegar numa dessas pedrinhas e sentir aquele peso de muitos milhares de anos, ali na palma da mão?

Quantos verões e invernos alisaram aquelas arestas?
Às vezes, penso nisso. Tu não?

Beijos.
Rolando
De Rach a 12 de Agosto de 2009 às 23:01
Lindo. E verdadeiro, como sempre :)
De entremares a 13 de Agosto de 2009 às 11:41
Oi, Rach..

E então... já escolheste a tua "pedra" favorita?
Ou melhor... já deixaste que as tua "pedra" te encontrasse?

Beijos.
Rolando.

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