O relógio da parede marcava as onze.
Imperturbável, alheio a pressas, o pêndulo de bronze repetia os mesmos movimentos de sempre, indiferente ao facto de se aproximar mais um final de ano onde, da forma costumeira, repetiria doze badaladas.
O pastor Josué encontrava-se sentado na sala, no velho cadeirão de pele. À sua frente, a pequena mesinha de pés curtos, habitualmente pejada de livros e revistas, estava agora praticamente vazia, com aquele estranho objecto metálico alinhado bem ao centro.
Uma balança.
Cuidadosamente, retirou da sacola os dois grandes frascos de vidro, em tudo iguais, excepto na cor das respectivas tampas; uma branca, outra negra. No interior de ambos, uma quantidade enorme de pequenas bolas de papel amarrotado saltitavam, empurrando-se umas contra as outras. À primeira vista, ambos os frascos teriam um conteúdo em número muito semelhante das pequenas bolas de papel.
Com extremos cuidado, abriu o frasco da tampa branca e lá foi vertendo o seu conteúdo para um dos pratos da balança, tentando que esta não transbordasse. Logo de seguida, repetiu o processo para o segundo frasco, vertendo as bolinhas de papel amarrotado para o outro prato da balança.
Suavemente, a balança desequilibrou-se e um dos pratos tombou sobre a mesa.
O pastor Josué ficou a olhar para ele, a testa franzida por uma ruga de inquietação.
Outra vez?
Há quanto tempo repetia ele aquele ritual, na noite de 31 de Dezembro? Dez, talvez onze anos…
E mais uma vez – a terceira consecutiva – a balança tombava para o frasco da tampa negra, o frasco onde Josué depositava, dia após dia, pequenos papeis amarrotados, retirados do bloco de memorando; por cada boa acção relevante… um papelinho amarrotado para dentro do frasco de tampa branca, para cada arrependimento, para cada falhanço… um papelinho amarrotado para o frasco de tampa negra.
- Para o ano, será diferente… - murmurou para si mesmo.
A balança não o ouviu. Indiferente ao peso das almas, limitava-se a pesar os prós e os contras das existências, independentemente dos sentidos que o pastor Josué atribuía aos pequenos papelinhos amarrotados.
- Para o ano, será diferente…. – voltou a repetir.
. Sinais
. O rei morreu... Viva o re...
. Fé