Terça-feira, 14 de Julho de 2009

Bem-me-quer, mal-me-quer...

 

Bem-me-quer… mal-me-quer…bem-me-quer… oh, não… outra vez? … mal-me-quer.
 
Outra vez?
Mal-me-quer?
Seria possível?
 
Contemplou desgostoso o caule sem pétalas, ainda entre os dedos. Como era possível? Como era possível que, qualquer que fosse a pergunta, qualquer que fosse a flor, o resultado fosse sempre o mesmo? Mal-me-quer…
Aos poucos e poucos, uma tristeza inundou-lhe os gestos. Sentou-se, cabisbaixo, encostado à parede esboroada do velho casarão. À sua frente, a perder de vista, um jardim mal cuidado era abrigo para um manto de malmequeres amarelos e brancos, entremeados de algumas papoilas.
Há muito que a avó Fernanda deixara de podar as roseiras, de cortar as ervas altas e até de ligar o repuxo da fonte. O jardim adormecera com o passar dos anos, indiferente aos passos do pequeno Júlio, de cada vez que este vinha visitar a avó – por hábito, aos fins-de-semana.
Naquela manhã de domingo, contudo… a avó Fernanda não estava sentada na sala, a tricotar, ou mesmo na cozinha, confeccionando bolos e biscoitos para os netos. Do alpendre, observara em silêncio a desconsolada expressão do neto, enquanto as pétalas do malmequer caíam … e o final se repetia.
Viu-o sentar-se, colocar a cabeça entre as mãos e por ali ficar, encostado à parede, absorto nos seus pensamentos.
 
Deixou passar alguns minutos e finalmente, acercou-se dele.
- Então, Júlio… já aqui estás… não me apercebi que já tinhas chegado, nem ouvi o portão…
Ele levantou a cabeça, tentando recompor-se.
- Avó… eu… isto é… não… eu… cheguei agora mesmo…
- Que bom, que bom… então chegaste mesmo a tempo… logo hoje que eu havia decidido começar a limpar aqui as ervas do jardim…
- Se quiser ajuda…
Ela exibiu, de olhos brilhantes, duas tesouras de podar e um ancinho.
- Se quero ajuda? Então não haveria ajuda? Eu até já trazia aqui duas tesouras na mão…
 
Atacaram as ervas no extremo sul, bem junto do portão.
Júlio, brandindo a tesoura de podar, ia atacar um molho de malmequeres quando a avó interveio de pronto:
- Os malmequeres… espera, espera…
Ele deteve-se.
- Não quer que arranque os malmequeres, avó?
Ela mirou-o de alto a abaixo, com um sorriso enigmático.
- Quero… mas primeiro vou mostrar-te uma das minhas habilidades… uma coisa que eu nunca te disse que sabia fazer…
- Uma habilidade?
- Exactamente… caso não saibas… a tua avó consegue sempre tirar a última pétala com um bem-me-quer… nunca tirei um mal-me-quer em toda a minha vida…
O pequeno Júlio arregalou os olhos, incrédulo.
- Como é isso possível? Ninguém consegue fazer isso…
- Ninguém?... essa agora… pois olha, eu consigo…
 
E, passando à prática, pegou num malmequer, fechou os olhos e lá foi retirando as pétalas, uma a uma, recitando a ladainha costumeira:
- Mal-me-quer…bem-me-quer…mal-me-quer…
 
E quando pegou na última pétala…
- … e bem-me-quer… pronto. Eu não te disse?
 
O neto olhava para ela, depois para a flor, e novamente para ela.
- Consegue fazer isso outra vez, avó ? Outra vez bem-me-quer…
- Se consigo? Claro que consigo… e tu também consegues… aposto contigo que o próximo malmequeres que apanhares vai ser… bem-me-quer. Aceitas a aposta?
- Mas avó, eu nunca…
- Nem mas, nem meio mas… não aceito desculpas… vá, escolhe um malmequer…
O pequeno Júlio lá pegou um malmequer e sem convicção, foi retirando as pétalas.
- Bem-me-quer…mal-me-quer…
 
Aproximava-se do final. Seria possível? Mais duas pétalas… seria verdade?... mais uma … mais uma… e… bem-me-quer.
- Bem-me-quer, avó… bem-me-quer… avó, viu? Viu? Saiu bem-me-quer…
A avó deliciava-se com os saltos entusiásticos do neto.
- Claro que estou a ver… e agora, aposto contigo que vais tirar novamente… um bem-me-quer… aceitas o desafio?
- Oh, avó… duas vezes seguidas… não sou capaz…
- Claro que és capaz… porque motivo não serias capaz?
- Porque eu nunca…
- Shiu… desculpas outra vez? Vá, escolhe lá outro malmequer…
 
E novamente… a última pétala foi … bem-me-quer. O pequeno Júlio não cabia em si de contente. Deu saltos, chorou de alegria, abraçou-se à avó, gritou…
Mas a avó ainda não terminara aquilo que se propusera a fazer.
 
- Vá… ainda quero fazer mais uma aposta…
- Oh avó… mais não … eu não sou capaz…
- Júlio… meu pequeno Júlio… eu agora aposto que tu vais tirar um… mal-me-quer…
O neto olhou para ela, estupefacto.
- Um mal-me-quer? E porque quer que eu tire um mal-me-quer? Julgava que só era bom… se saísse sempre bem-me-quer…
A avó passou-lhe a mão pelos cabelos, ternurenta.
 
- Oh, meu netinho… Então achas que eu só ficaria contente se tu só soubesses tirar bem-me-quer? Esses são os mais fáceis… eu não sei é se tu consegues tirar mal-me-quer… e é isso que eu quero ver…
- Avó…
- Outra vez? Desculpas? Nem pensar… faz de conta que estivemos a treinar… já conseguiste dois bem-me-quer… agora vamos ao difícil, aos mal-me-quer… vá… escolhe uma flor…
 

 

publicado por entremares às 20:01
link do post | favorito
De Ana Loura a 15 de Julho de 2009 às 12:47
Obrigada por ter passado pelo Mulheres de Atenas. Por duas razões: por lá ter ido; por ter feito com que eu viesse aqui. Virei com mais tempo, vale a pena. Abraço
De entremares a 15 de Julho de 2009 às 19:59
Obrigado, Ana Loura, por toda a simpatia...
Dei por muito bem entregue o tempo da minha visita ao seu blog.
Ainda bem que gostou de passear por estes entremares...

É sempre bemvinda.
Comentar:
De
( )Anónimo- este blog não permite a publicação de comentários anónimos.
(moderado)
Ainda não tem um Blog no SAPO? Crie já um. É grátis.

Comentário

Máximo de 4300 caracteres



Copiar caracteres

 



O dono deste Blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.

.mais sobre mim

.BlogGincana


.Fevereiro 2010

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28

.posts recentes

. O unicórnio branco

. Nascer de novo

. Noites de lua nova

. Perguntas e Respostas

. Roby, o rei leão

. Onde mora o paraíso?

. Sinais

. Um novo destino

. O profeta

. Ele e Ela

. As doze badaladas

. O salto da alma nua

. O rei morreu... Viva o re...

. Blog Gincana - Novembro

. A dúvida humana

.

. João e o Mestre

. Aniversário

. E depois do adeus

. A pimenta do amor

. O que fazer?

. Sem título

. A mulher invisível

. A escolha dos anjos

. Os amantes

. A Dama do Outono

. Um pedido

. Simplesmente Eugénio

. Carmen Miranda

. A decisão

.arquivos

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

.links

.as minhas fotos

blogs SAPO

.subscrever feeds