
Bem-me-quer… mal-me-quer…bem-me-quer… oh, não… outra vez? … mal-me-quer.
Outra vez?
Mal-me-quer?
Seria possível?
Contemplou desgostoso o caule sem pétalas, ainda entre os dedos. Como era possível? Como era possível que, qualquer que fosse a pergunta, qualquer que fosse a flor, o resultado fosse sempre o mesmo? Mal-me-quer…
Aos poucos e poucos, uma tristeza inundou-lhe os gestos. Sentou-se, cabisbaixo, encostado à parede esboroada do velho casarão. À sua frente, a perder de vista, um jardim mal cuidado era abrigo para um manto de malmequeres amarelos e brancos, entremeados de algumas papoilas.
Há muito que a avó Fernanda deixara de podar as roseiras, de cortar as ervas altas e até de ligar o repuxo da fonte. O jardim adormecera com o passar dos anos, indiferente aos passos do pequeno Júlio, de cada vez que este vinha visitar a avó – por hábito, aos fins-de-semana.
Naquela manhã de domingo, contudo… a avó Fernanda não estava sentada na sala, a tricotar, ou mesmo na cozinha, confeccionando bolos e biscoitos para os netos. Do alpendre, observara em silêncio a desconsolada expressão do neto, enquanto as pétalas do malmequer caíam … e o final se repetia.
Viu-o sentar-se, colocar a cabeça entre as mãos e por ali ficar, encostado à parede, absorto nos seus pensamentos.
Deixou passar alguns minutos e finalmente, acercou-se dele.
- Então, Júlio… já aqui estás… não me apercebi que já tinhas chegado, nem ouvi o portão…
Ele levantou a cabeça, tentando recompor-se.
- Avó… eu… isto é… não… eu… cheguei agora mesmo…
- Que bom, que bom… então chegaste mesmo a tempo… logo hoje que eu havia decidido começar a limpar aqui as ervas do jardim…
- Se quiser ajuda…
Ela exibiu, de olhos brilhantes, duas tesouras de podar e um ancinho.
- Se quero ajuda? Então não haveria ajuda? Eu até já trazia aqui duas tesouras na mão…
Atacaram as ervas no extremo sul, bem junto do portão.
Júlio, brandindo a tesoura de podar, ia atacar um molho de malmequeres quando a avó interveio de pronto:
- Os malmequeres… espera, espera…
Ele deteve-se.
- Não quer que arranque os malmequeres, avó?
Ela mirou-o de alto a abaixo, com um sorriso enigmático.
- Quero… mas primeiro vou mostrar-te uma das minhas habilidades… uma coisa que eu nunca te disse que sabia fazer…
- Uma habilidade?
- Exactamente… caso não saibas… a tua avó consegue sempre tirar a última pétala com um bem-me-quer… nunca tirei um mal-me-quer em toda a minha vida…
O pequeno Júlio arregalou os olhos, incrédulo.
- Como é isso possível? Ninguém consegue fazer isso…
- Ninguém?... essa agora… pois olha, eu consigo…
E, passando à prática, pegou num malmequer, fechou os olhos e lá foi retirando as pétalas, uma a uma, recitando a ladainha costumeira:
- Mal-me-quer…bem-me-quer…mal-me-quer…
E quando pegou na última pétala…
- … e bem-me-quer… pronto. Eu não te disse?
O neto olhava para ela, depois para a flor, e novamente para ela.
- Consegue fazer isso outra vez, avó ? Outra vez bem-me-quer…
- Se consigo? Claro que consigo… e tu também consegues… aposto contigo que o próximo malmequeres que apanhares vai ser… bem-me-quer. Aceitas a aposta?
- Mas avó, eu nunca…
- Nem mas, nem meio mas… não aceito desculpas… vá, escolhe um malmequer…
O pequeno Júlio lá pegou um malmequer e sem convicção, foi retirando as pétalas.
- Bem-me-quer…mal-me-quer…
Aproximava-se do final. Seria possível? Mais duas pétalas… seria verdade?... mais uma … mais uma… e… bem-me-quer.
- Bem-me-quer, avó… bem-me-quer… avó, viu? Viu? Saiu bem-me-quer…
A avó deliciava-se com os saltos entusiásticos do neto.
- Claro que estou a ver… e agora, aposto contigo que vais tirar novamente… um bem-me-quer… aceitas o desafio?
- Oh, avó… duas vezes seguidas… não sou capaz…
- Claro que és capaz… porque motivo não serias capaz?
- Porque eu nunca…
- Shiu… desculpas outra vez? Vá, escolhe lá outro malmequer…
E novamente… a última pétala foi … bem-me-quer. O pequeno Júlio não cabia em si de contente. Deu saltos, chorou de alegria, abraçou-se à avó, gritou…
Mas a avó ainda não terminara aquilo que se propusera a fazer.
- Vá… ainda quero fazer mais uma aposta…
- Oh avó… mais não … eu não sou capaz…
- Júlio… meu pequeno Júlio… eu agora aposto que tu vais tirar um… mal-me-quer…
O neto olhou para ela, estupefacto.
- Um mal-me-quer? E porque quer que eu tire um mal-me-quer? Julgava que só era bom… se saísse sempre bem-me-quer…
A avó passou-lhe a mão pelos cabelos, ternurenta.
- Oh, meu netinho… Então achas que eu só ficaria contente se tu só soubesses tirar bem-me-quer? Esses são os mais fáceis… eu não sei é se tu consegues tirar mal-me-quer… e é isso que eu quero ver…
- Avó…
- Outra vez? Desculpas? Nem pensar… faz de conta que estivemos a treinar… já conseguiste dois bem-me-quer… agora vamos ao difícil, aos mal-me-quer… vá… escolhe uma flor…
De
GiGi a 14 de Julho de 2009 às 20:45
Pois é... É difícil aceitar os "malmequeres" da vida. Embora, destes, surjam na maioria das vezes as mais belas e perfumadas flores.
Por que "avó"? Aqui a gente fala "vó"! É mais carinhoso e íntimo, eheheheh :-D. Assim como "mamãe".
Beijinhos!
Pois é, GiGi... Vó...
É uma das coisas que invejo de vocês... a ternura da lingua... mais musical.
Mamae... gostei, sim.
Beijos.
Olá Entremares, a vida é assim mesmo. Nunca sabemos bem o que vai calhar a seguir...
esperamos sempre o melhor, mas nem sempre acontece. Do mal-me-quer, pelo menos que saibamos retirar algum ensinamento...
beijinho
Oi, Carla... desejo-te bem-me-quer, bem-me-quer, bem-me quer...
Às vezes aparecem os mal-me-quer, é verdade... e temos que lidar com eles...
Beijo.
De
Emanuela a 15 de Julho de 2009 às 03:09
Cá estou eu de novo, aprendendo com as tuas interessantes lições... Pareces mesmo um "mestre"...
Parabéns!
Beijinhos
Oi, Emanuela, obrigado por teres voltado. espero que "tires" m uitos bem-me-quer...
Beijos.
Voltei à minha infância ao ler o que escreveu.
Lembrei o tempo em que no meio de um campo de malmequeres eu e as minhas amiguinhas arrancávamos uma a uma as pétalas na esperança que saísse bem-me -quer.
Pena hoje já não acreditarmos no que dizem os malmequeres!
Beijo
Manu
Manu... ainda existem... menos, muito menos... os malmequeres parecem ter fugido para parte incerta...
Talvez por perceberem que já não acreditam neles...
beijos.
Obrigada por ter passado pelo Mulheres de Atenas. Por duas razões: por lá ter ido; por ter feito com que eu viesse aqui. Virei com mais tempo, vale a pena. Abraço
Obrigado, Ana Loura, por toda a simpatia...
Dei por muito bem entregue o tempo da minha visita ao seu blog.
Ainda bem que gostou de passear por estes entremares...
É sempre bemvinda.
De
Sara a 15 de Julho de 2009 às 16:37
Q ternura de texto... levou-me até as minhas boas memórias de infância .
Hoje em dia não tiro" bem-me-quer ", prefiro contemplar as flores no seu todo ;)
Acho que me "cansei" de esperar que pelo facto de sair "bem-me-quer" isso se reflecti-se na realidade...
Bem... desejo-te um resto de tarde FELIZ :)
Sara, bom rever-te por aqui... e às memórias de infância, que as minha também incluem muitos campos de malmequeres e papoilas...
Hoje... já lês as flores de outro modo, não é?
Beijos.
De Óscarito a 15 de Julho de 2009 às 18:15
É a nossa mente que nos encaminha. Para o bem ou para o mal.
É a nossa vontade que nos leva para onde queremos ir.
Excepto quando seguimos vontades alheias.
Eu nunca desfolhei malmequeres. Sem qualquer razão para isso; só que não calhou...
No entanto estive em muitas desfolhadas!
Evidentemente que sabes que me refiro às massarocas de milho.
Abraço/Oscar
Ó Oscar... então que é isso?
Nunca fizeste o bem-me-quer... mal-me-quer ?
E estás à espera de quê para começar ?
Vá... vamos a mexer-nos... e depois trata de contar o resultado...
Um abraço.
Claro que sempre teremos o mal-me-quer ...mas esquecemos..
Ao contrário do bem-me-quer..ficará eternamente na lembrança, no fundo no coração.
Super beijossssssss
Rê.
Regina... sabe bem guardarmos as boas lembranças, não é?
Um simples bem-me-quer... compensa bem muitos mal-me-quer...
Um grande beijo. Tudo de bom para você.
De Pakkito a 15 de Julho de 2009 às 19:36
É o bonito dos contos, a magia que englobam.
Gostei muito de ler este texto e como alguns já disseram ensina-nos a mestria da vida. Fiquei assíduo do blog e seu critico também.
Mas de uma forma mais técnica também é possível tirar sempre bem-me-quer, começando a lengalenga por mal-me-quer. Como a flor tem sempre um numero par de pétalas dará o desejado bem-me-quer ;)
Sou o amigo do Kuski, da revista.
Um grande abraço e espero conhecermo-nos em breve.
Shiuuu... Pakkito, então o que é isso, a desvender os segredos dos malmequeres?
E se por acaso alguma criancinha ( como nós ) ler este comentário, como vai ser?
O Kuski falou-me ontem de si. Cá o espero.
Um abraço.
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