Quinta-feira, 9 de Julho de 2009

O vencedor improvável

 

 

- E então, o que me dizem? Vamos votar?
Todos estavam de acordo. Porque não? Alguém teria que ser o escolhido... e apesar de ninguém se atrever a dar o primeiro passo, todos, sem excepção, alimentavam o secreto sonho de...
 
Dez, doze, quinze papelinhos... uma caixa vazia para urna improvisada.
Trocaram-se olhares. O João? A Telma? Talvez a Vanessa?
O silêncio amarrotou-se à medida que os papelinhos iam sendo escritos, meticulosamente dobrados e atirados para dentro da caixa.
 
- Estão todos? Não falta ninguém?
Estavam todos.
Vinte e três papelinhos, correspondentes a outros tantos pares de olhares ansiosos. O senhor Alfredo, o representante oficial da comitiva, não teve outro remédio senão avançar e assumir as funções de escrutinador.
- Pronto, pronto... eu faço. Mas vamos lá a despachar isto... que até já me conseguiram deixar nervoso.
 
- Telma... um voto.
Alguém começou a apontar os resultados, rabiscando num papel e repetindo em voz alta.
- Telma... já está. Um voto.
- Vanessa... um voto. – continuou o escrutinador.
- Vanessa... aqui está... um voto – repetiu a sombra.
- Álvaro... um voto.
Alguém bateu palmas, lá bem do fundo da sala.
- Assim é que é Álvaro... mostra-lhes como é...
O senhor Alfredo continuou com a sua ladainha, imperturbável.
- Álvaro... um voto.
E o secretário repetiu: Álvaro... passa a dois votos.
 
O escrutinio lá continuou, aqui e ali interrompido por palamas, assobios e piropos, para logo se recomeçar a contagem.
- Álvaro... um voto.
E o secretario repetia, em voz solene: Álvaro... um voto... e passa para quinze votos.
 
Finalmente, deram por terminadas as contas. Não havia necessidade de segunda volta, de desempate, tão pouco houve protestos ou contestação; simplesmente um enorme coro de assobios e uma prolongada salva de palmas, para aclamar o vencedor.
 
- Ganhou o Álvaro – anunciou o secretário – com dezoito votos... depois a Vanessa, com três... a Telma com um... e temos um em branco.
E, virando-se para o contemplado:
- Álvaro... vais ser tu...
O dito cujo ainda tentou protestar, mas as palavras morreram-lhe nos lábios. Uma multidão de beijos e abraços cercou-o por todos os lados e, por um breve instante... Álvaro sentiu-se a pessoa mais feliz à face da terra.
 
- Está na hora... vamos a isso...
Avançaram pelo túnel, rumo à claridade e ao som ensurdecedor que dali provinha.
 
O estádio estava cheio, repleto de cor, bandeiras a esvoaçar, balões coloridos. Nas bancadas, milhares de braços acenavam frenéticamente em todas as direcções, acompanhados pelos flashes das máquinas fotográficas, procurando eternizar o momento.
Na pista de tartan, ladeada de bandeiretas, a delegação anterior já se afastava, acenando para o público.
Chegara a hora.
Ergueu a bandeira o mais alto possível, olhou uma última vez para os companheiros e fez-se à pista, os olhos sem nada mais ver que um enorme vazio à sua frente, pejados de rostos que não conhecia, a acenar à sua passagem.
Ao fundo do estádio, a torre majestosa com a pira ardente dominava toda a paisagem, ladeada pela bandeira gigantesca com os cinco anéis coloridos e entrelaçados, representando cada um dos cinco continentes.
Era um sonho. Estava a sonhar. Era demasiado saboroso para poder ser verdade.
O ruído de fundo sobrepunha-se a tudo. Teve que gritar para se fazer ouvir.
- Joana... empurras-me devagar... está bem? Quero aproveitar ao máximo o momento...
Ela riu-se.
Segurou firmemente os apoios da cadeira de rodas e começou a empurrá-lo em direcção à faixa central da pista.
Álvaro, segurando a bandeira com as duas mãos, estampava no rosto o sorriso mais infantil. Era mesmo verdade. Não precisava de se beliscar, aquilo estava mesmo a acontecer, ali e agora.
Alcançaram a faixa central. Pela frente, esperava-os uma ovação de quatrocentos metros e a recordação futura, as memórias únicas de um momento... para nunca mais esquecer.
Apesar da cadeira de rodas, apesar do sofrimento, apesar da luta, apesar de tudo... conseguira... e estava ali.
A companheira da comitiva adivinhou-lhe o olhar e, inclinando-se para a frente, sussurrou-lhe ao ouvido:
 
- Eu nunca tive dúvidas que conseguirias, Álvaro... bemvindo aos Jogos...
 

 

publicado por entremares às 01:57
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13 comentários:
De DyDa/Flordeliz a 9 de Julho de 2009 às 03:23
Grande reviravolta!
Passei pelas eleições, depois pelo escrutínio e só depois pela prova.
1º Pensava que era uma escola
2º A seguir já pensava que era um atleta a ser homenageado (pensei: viu o Cristiano em Espanha)
3º Fiquei com um nó na cabeça - A prova ainda não tinha começado?!...
4º Bem, quando dei por mim já corria ao lado do Álvaro (que me perdoe mas eu acho que cheguei a andar em 1º lugar e não ganhei por uma unha de diferença)
5º Parabéns a quem ganha e a quem apoia, acreditando e fazendo-nos acreditar que somos capazes de nos superar
De GiGi a 9 de Julho de 2009 às 05:01
Logo no início, surge a curiosidade: que será? E, de fato, pensamos que se passa em uma escola, para escolha de um representante de sala, por exemplo.

Esta é a segunda estória tua que leio e, ao que parece, elas são cheias de surpresas!

Um beijo.
De entremares a 9 de Julho de 2009 às 08:47
Oi Gigi... fico feliz que tenha voltado, e fico mais feliz ainda que tenha gostado.

Ainda bem que se surpreendeu.

Um beijo.
De entremares a 9 de Julho de 2009 às 08:22
Oh, Flordeliz... que comentário... obrigado, a sério.
Mas é verdade... a vida é cheia de surpresas, e temos que sempre tentar encontrar as forças escondidas para seguramos " a bandeira ", mesmo que ninguém acredite em nós...

Todos somos capazes. Eu tenho a certeza.

Beijos.
De Miss Yang a 9 de Julho de 2009 às 14:43
Realmente, tem dias que parece que só nós acordamos... Essa frase tua me fez pensar tanto quanto meu peter pan e sininho pendurados fez em ti.
Adorei teu comentário, ficarei feliz em ver-te mais vezes pelo meu canto.
Estou te colocando no meu favoritos, gostei da maneira como escreves!
abraço
De entremares a 9 de Julho de 2009 às 17:39
Oi, Miss Yang. aí de tão longe...
Fico feliz que tenha vindo ver estes mares.
Obrigado.

Fica bem...
De Sara a 9 de Julho de 2009 às 15:49
Não contava com este desenrolar da história, mas no final acabei por me sentir no meio da multidão a acompanhar o "Álvaro"...!

Esta história vem mais uma vez demonstrar que NUNCA devemos deixar de lutar :)))

Beijo

P.S: obrigado pelo teu comentário ;)
De entremares a 9 de Julho de 2009 às 17:40
Oi, Sara... como tens razão.

E o IMPOSSÍVEL não existe...

Beijos.
De Paula Raposo a 9 de Julho de 2009 às 17:28
Chego aqui só hoje. A tempo de ler um magnífico desenrolar de sensações. Beijos.
De Menina Marota a 9 de Julho de 2009 às 18:44
Grata pela visita e acima de tudo pelo excelente texto que me deixou nos comentários. Uma lição de Vida que muito me diz.

Um abraço carinhoso

(mais tarde passarei par ler este texto e outros que ainda não li)
De Existe um Olhar a 9 de Julho de 2009 às 19:41
A surpresa, a eterna surpresa de cada momento, de cada dia! Aqui há vida!!!
Eu sou certamente uma entre tantas que estou no meio da multidão, aplaudindo o Álvaro...-E porquê? -perguntarás...
-Porque tu me levaste!

Beijo
Manu
De Adriana a 9 de Julho de 2009 às 22:16
Olá, boa noite. Estava navegando pelos blogs e li seu conto, achei ótimo e quis te parabenizar. Muito bom!! No blog "quem conta um conto, aumenta um ponto"..

Bjssssss
Adriana
De Milu a 11 de Julho de 2009 às 16:36
Pensei que se tratava da eleição do director de turma numa qualquer sala de aulas. Confesso que, nos meus tempos de escola nunca cheguei a perceber porque razão determinado aluno era eleito através de bilhetinhos pelos seus colegas. Se, por vezes, não aparentavam capacidades de liderança nem desenvoltura argumentativa, para melhor defender ou acudir aos interesses dos colegas! Mas eis, que, em determinado ponto da história percebi do que se tratava. Fiquei sensibilizada! Bonito!

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