
Pequenina, de asas graciosas e quase transparentes como todas as fadas, a amiguinha de Sininho era muito fácil de reconhecer, esvoaçando sobre os campos de flores.
Seria o seu vestido, amarelo como os girassóis?
Seriam os sapatinhos de verniz, a imitar as conchas do mar?
Ou o seu tom de pele mais escuro, tão diferente de todas as outras fadas?
Chamava-se Nyota… e nascera muito longe dali, num continente quente e povoado de grandes florestas, lagos e desertos, e animais tão estranhos que ela não voltara a encontrar iguais, em mais parte alguma.
Nem na terra do Nunca.
E aquele dia, na terra do Nunca, ia ser um dia... muito especial; Peter Pan, o eterno menino vestido de verde, como príncipe dos bosques e senhor das terras do arco-iris... ia anunciar o seu noivado.
Ninguém ignorava que Sininho sempre fora a fada de Peter Pan – a história descrevera-a assim, eternamente apaixonada pelo irrequieto menino que se recusava a crescer. Mas o que não estava escrito na história.. e que quase ninguém sabia... era o amor escondido que Peter Pan e Nyota nutriam um pelo outro, desde que se haviam visto pela primeira vez, numa tarde de verão.
Nyota era divertida, uma óptima contadora de histórias... e sempre que podiam, desapareciam os dois rumo ao alto dos bosques. E ali, no silêncio dos pássaros e no murmúrio dos ventos... Nyota contava-lhe histórias de uma terra distante, em que os meninos rodeavam dançavam à volta de fogueiras, caçavam animais de cores bizarras e saltavam de árvore em árvore, pendurados dos ramos.
Peter Pan bebia-lhe o olhar, cheio de imagens, imaginando-se a ele próprio naquela terra estranha e longínqua, onde todos os meninos tinham uma cor de pele tão diferente da sua... e que Nyota descrevia como sendo tão bela como a terra do Nunca.
- Mas não há nenhuma terra mais bela que a terra do Nunca... – protestava Peter Pan, sempre que ela lhe tocava no assunto. – não pode haver...
- Mas é claro que há... e prometo-te que um dia... ainda te levarei lá...
E assim ela ali permanecia, inebriada por um simples olhar, enquanto ele adormecia, à sombra dos plátanos, sonhando com oásis de palmeiras no meio de desertos, tempestades de areia e longas pradarias de ervas altas e manadas de animais estranhos, a perder de vista...
Quando Peter Pan entrou na sala, as fadas interromperam a ladainha de sussuros. No silêncio frio do mármore, o único ruido provinha das botas de Peter, dirigindo-se ligeiro até a um dos extremos do grande salão. Sem cerimónia, saltou para cima de uma das mesas, distribuindo aquele seu olhar atrevido em redor.
Discretamente, Sininho aproximou-se também do local – queria estar bem ao seu lado, mal ele pronunciasse o seu nome.
- Meus amigos... como todos sabeis... está escrito que Peter Pan irá escolher uma fada da terra do Nunca... para juntos ajudarmos a cuidar de todos os habitantes ...
Fez uma longa pausa, enquanto dirigia o olhar para Sininho, ali bem perto de si.
- ... E todos vós já me conheceis há tanto tempo... e conheceis tão bem como eu a história da terra do Nunca, não é verdade? – e esticou o braço em direcção a Sininho - ... queres vir aqui fazer-me companhia... Sininho?
Palmas, muitas palmas, ainda mais suspiros.
No outro extremo do salão, um lamento passou quase despercebido.
Nyota, as mãos a tapar os olhos, saiu de mansinho para o jardim.
Peter Pan, do alto da mesa que lhe servira de tribuna, conseguia vê-la.
- Sininho... dás-me só um segundo, por favor? tenho só que ir ali falar com uma pessoa... é só um segundo...
A fada Sininho fez-lhe uma vénia irónica, com um sorriso de felicidade.
- Claro que sim, meu príncipe... claro que sim... mas não te demores...
Peter Pan apressou o passo, distribuindo sorrisos, beijos e abraços. Precisava de alcançar a porta do jardim.
- Nyota! Nyota!
Correu para ela.
- Nyota... espera, por favor...
Ela abriu a porta exterior do jardim. Quando se voltou, uma lágrima brilhante deslizava-lhe pelo rosto.
- O que queres, Peter?
- Nyota... meu amor... por favor, tens que compreender... estava escrito...
- Eu não sou o teu amor, Peter...
- Mas, Nyota... estava escrito... eu tenho que escolher a Sininho...
- Julguei que me amavas, Peter...
- E amo, Nyota, mais que tudo... mas que mais podia eu fazer? Está escrito ... na minha história... que eu tenho que escolher a Sininho... não posso evitá-lo...
Nyota olhou-o nos olhos e lá no fundo sentiu-se de novo a criança desprotegida, ansiando por um abraço, por uma palavra meiga.
- Eu também te adoro, Peter Pan... e isso não está escrito em nenhuma história, sabes? E se tu gostasses realmente de mim...
- Nyota, mas eu não posso...
- Peter... sabes porque não podes ?
- ...
- Não podes porque... até aqui não consegues deixar de ser ... uma criança...
- Nyota...
- Não, Peter... eu sei de tudo o que me vais dizer, mas... hoje e aqui... eu precisava que tu crescesses... nem que fosse só um pouquinho... que tivesses desafiado a história que escreveram para ti ... e me escolhesses...
Abriu o portão e seguiu em frente, o vestido amarelo como os girassóis a brilhar na noite escura. Desejava ardentemente que ele a chamasse.
Bastaria que a chamasse uma única vez... e ela voltaria a correr para os seus braços.
Mas sabia perfeitamente que tal nunca iria acontecer...
De Najla a 7 de Julho de 2009 às 11:44
Dizem que tal como a história do Peter Pan e da Sininho, também nós temos a nossa história escrita. Mas muitas vezes a história escrita não é a mais feliz. Por vezes basta re-escrevê-la.
A história real está sempre a ser escrita, não é?
Pelo menos, eu acredito que sim...
De
Eduardo a 7 de Julho de 2009 às 15:45
Seus textos são MUITO bons!
Obrigado por participar do QUEM CONTA UM CONTO...
Volte sempre!
Forte abraço
E se Peter Pan ousasse quebrar a regras?
Abraço
Manu
Já somos dois a desejar que o Peter ousasse quebrar as regras...
Beijos.
Como ele eu também fico a sonhar com uma mudança na história. Quando nos aguçam a curiosidade e nos fazem sonhar gostamos de correr atrás do sonho.
Mas... será isso amor? Será amor o que Peter Pan sentiu por Nyota?
O que eu tenho a certeza, o que eu sei mesmo é que fico deliciada com a tua escrita.

Também não sei se era amor... mas adorava que o Peter tivesse a força necessária para ao menos... o tentar descobrir...
De
ellen a 7 de Julho de 2009 às 17:29
Que lindas histórias as sua :)
e adorei a que me deixou. Obrigada!
Beijinho para si.
Obrigado ellen, por toda a simpatia.
Volte sempre...
De
Sara a 7 de Julho de 2009 às 18:01
Quantas "Nyotas" andaram espalhadas por aí?...
E sim, acredito que o nosso destino estará algures traçado, mas tb acredito que por muito que nos custe... por vezes aquilo que desejamos que esteja escrito de uma forma vem a revelar-se de outra!...
Gostei da "mensagem escondida" que pelo menos eu captei/interpretei desta história... tal como referi no início... digamos que foi assim uma espécie de "dejá-vu" ;)
Olá se tens razão... quantas Nyotas andarão algures por aí... mas também quantos Peter Pan's... não é?
Beijos.
De Óscarito a 7 de Julho de 2009 às 19:02
É um produto da época quando tudo obedecia a um figurino.
Quando tudo era muito certinho e à medida das expectativas.
Mas, por uma vez que fosse, seria interessante alterar a história.
Mesmo porque o P.Pan já deve estar enjoado de tanta "galinha"...
Abraço/Óscar
Olha que até parecias o capitão Gancho a falar, sabes ?
Mas tens razão, as histórias são sempre o reflexo dos tempos em que são escritas...
Um abraço.
Seria o escritor, autor, o que hoje damos o nome de "destino"??
Quem sabe...Será que também conseguimos mudar nossa história? Realmente mudamos?
Adoro suas históriassssssss..
Bjsssssssssssssssssssssssssss
E visite-me sempre...
Rê.
Oh, Regina... se a gente soubesse...
Mas a gente não sabe, pois não ? Só vai vivendo um dia de cada vez...
Muitos beijos, obrigado por toda a simpatia...
Vim deixar bjs e boa noite!!
Este conto ilustra muito bem o quanto de si próprio pode divergir o coração que se obriga a um amor idealizado, e isso ainda que ressoe sua intuição no outro que lhe é a outra metade.
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Bom de ler, aqui.
É verdade, Mago, é bem verdade...
Existe um dito popular muito conhecido " o coração tem razões que a razão desconhece".
Tem mesmo, não é ?
Um abraço. Volte sempre.
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