
O Olhar. Aquele olhar.
Era impossível passar-lhe ao lado.
Há coisas que nos prendem a atenção – a fineza do porte, a elegância dos gestos, a subtileza dos movimentos... a expressividade do olhar. Andrea seria uma dessas raras pessoas cujo olhar perfuraria a rocha mais sólida, sobressaindo da multidão, onde quer que se encontrasse.
Os olhos eram negros, ébano brilhante, como um poço sem fundo. Olhos tristes.
Ou talvez não fossem os olhos tristes... mas tão sómente triste o olhar.
Os lábios carnudos, a pele mestiça e o cabelo curto a emoldurar-lhe o rosto tornavam-na fácil de reconhecer, no meio de todas as outras.
Que idade teria? Pouco mais que adolescente, certamente...
Os pais, emigrantes, procuraram para ela uma terra de oportunidades. Boa aluna, rebelde e inquieta como todas as da sua idade, um jeito muito peculiar de cantar e de dançar, como se a música lhe estivesse embutida no sangue, bebida no leite materno desde a primeira hora.
Os colegas descreviam-na como alegre, extrovertida, faladora, muito faladora. Amiga das suas amigas e pouco dada à bebida – um cigarrito talvez, de vez em quando.
Afastou-se um pouco mais.
De longe, a perspectiva era sempre diferente. O rosto adquiria uma personalidade diferente, uma noção de conjunto. Mas o olhar... o olhar sufocava tudo, remetendo todas as restantes fotografias, coladas na parede, para terceiríssimo plano.
O sargento voltou a contemplar todos os rostos, um por um. Todos tinham um nome, escrito à mão na parte inferior, em letra apressada; Raquel, Maria, Luisa, Joana, Fátima... Andrea.
Na parte superior do placard, fixo numa parede interior da pequena esquadra, um rótulo de cores esbatidas relembrava a todos os que por ali passavam:
PESSOAS DESAPARECIDAS.
O sargento lançou-lhes um último olhar, antes de se dirigir à sua secretaria.
- Andrea, Andrea... onde estás tu?