Sexta-feira, 3 de Julho de 2009

Andrea

 

 

O Olhar. Aquele olhar.
Era impossível passar-lhe ao lado.
 
Há coisas que nos prendem a atenção – a fineza do porte, a elegância dos gestos, a subtileza dos movimentos... a expressividade do olhar. Andrea seria uma dessas raras pessoas cujo olhar perfuraria a rocha mais sólida, sobressaindo da multidão, onde quer que se encontrasse.
Os olhos eram negros, ébano brilhante, como um poço sem fundo. Olhos tristes.
Ou talvez não fossem os olhos tristes... mas tão sómente triste o olhar.
Os lábios carnudos, a pele mestiça e o cabelo curto a emoldurar-lhe o rosto tornavam-na fácil de reconhecer, no meio de todas as outras.
Que idade teria? Pouco mais que adolescente, certamente...
Os pais, emigrantes, procuraram para ela uma terra de oportunidades. Boa aluna, rebelde e inquieta como todas as da sua idade, um jeito muito peculiar de cantar e de dançar, como se a música lhe estivesse embutida no sangue, bebida no leite materno desde a primeira hora.
Os colegas descreviam-na como alegre, extrovertida, faladora, muito faladora. Amiga das suas amigas e pouco dada à bebida – um cigarrito talvez, de vez em quando.
 
Afastou-se um pouco mais.
De longe, a perspectiva era sempre diferente. O rosto adquiria uma personalidade diferente, uma noção de conjunto. Mas o olhar... o olhar sufocava tudo, remetendo todas as restantes fotografias, coladas na parede, para terceiríssimo plano.
O sargento voltou a contemplar todos os rostos, um por um. Todos tinham um nome, escrito à mão na parte inferior, em letra apressada; Raquel, Maria, Luisa, Joana, Fátima... Andrea.
Na parte superior do placard, fixo numa parede interior da pequena esquadra, um rótulo de cores esbatidas relembrava a todos os que por ali passavam:
 
PESSOAS DESAPARECIDAS.
 
O sargento lançou-lhes um último olhar, antes de se dirigir à sua secretaria.
- Andrea, Andrea... onde estás tu? 

 

 

 

 

publicado por entremares às 22:32
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3 comentários:
De Existe um Olhar a 3 de Julho de 2009 às 23:35
Perde-se um olhar
Não se perdem as lembranças
lembranças de emoções
do rasto que deixou
na forma desse olhar
De Sara a 4 de Julho de 2009 às 00:43
Há olhares que nos cativam, nos prendem... nos marcam! E por mais que o tempo passe e deixemos de ver esse "olhar", sempre que o voltamos a encontrar... (mesmo que passando os olhos apenas por uma foto esquecida...).... o arrepio, as emoções, a saudade.... volta tudo ao de cima, mesmo que involuntariamente.
De Sofia a 4 de Julho de 2009 às 17:13
Triste realidade essa que algumas pessoas enfrentam...
Deve doer tanto... Não saber, Imaginar o que de pior poderá acontecer...

Não quero!
(Espero que Alguém lá em cima tenha lido a minha ultima frase)

Um beijo

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