
Olhou para trás.
Sempre sonhara com aquele instante, sempre antecipara a excitação do regresso a casa, o frenesim da partida, a viagem...
Mas a garganta apertada e aquele nó que lhe prendia a voz traíam-lhe o olhar de aparente felicidade.
- Está pronto ? – Podemos ir ?
O marinheiro de boné branco, ainda a segurar as amarras do pequeno bote, seguia-lhe o olhar trémulo de emoção.
- Estou pronto, sim... estou pronto... balbuciou.
Mas não estava.
Dez anos depois, aquela ilha deixara deixara de ser uma mera ilha, passara a ser a sua casa, o seu lar. Ali envelhecera um pouco, ali adoecera e ali se curara, ali passara dias de fome, dias de sofreguidão, dias de desespero, dias de solidão. Ali vira passar os dias, o rasto branco dos aviões a rasgar o céu azul, alguns navios na ponta do horizonte... e silêncio, principalmente um imenso silêncio a acompanhá-lo durante todo o tempo.
O tempo dos náufragos – ele descobrira isso sózinho – era um tempo diferente, media-se por relógios diferentes dos restantes mortais. Os dias começam com o sol, terminam com o sol, desdobram-se em rotinas comandadas pelos ritmos mais elementares de satisfazer a fome, a sede... e o sono – tudo o resto são extras para um náufrago.
Elias aprendera tudo isso sózinho. Durante dez anos, naquela ilha paradisíaca dos mares do sul.
O pequeno bote soltou as amarras e o marinheiro ligou o motor.
Para trás, cresceu o mar a separá-los da praia, a copa dos coqueiros a tornar-se progressivamente mais pequena, mais escura e indistinta.
Elias não conseguia desviar o olhar.
As mãos crispadas agarravam com força um saco de lona rasgada, onde guardara alguns objectos – poucos – que pretendia conservar.
- E então... o que decidiu trazer consigo ? – perguntou o marinheiro, curioso.
Elias não o ouvia, imerso naquele despedir nostálgico.
- Recordações ? – insistiu o marinheiro, um sorriso alegre a iluminar-lhe o rosto.
- É verdade... recordações...
O marinheiro queria saber mais.
- Conte... diga lá... o que trouxe ? Alguns cocos ?
Elias sentou-se, desviando finalmente o olhar da praia .
- Pouca coisa, amigo... pouca coisa... só alguns objectos que eu mesmo fiz, enquanto ali estive...
E lá abriu o saco, um pouco contrariado, mas a querer retribuir a simpatia do jovem marujo.
- Como vê... pouca coisa... uma concha furada, que foi o meu primeiro colar... metade de um coco, que foi o meu primeiro prato... o meu velho canivete... este bambu, que foi a minha primeira cana de pesca e... este outro, também de bambu... só isto, só estas cinco coisas...
- Estou vendo... estou vendo... e olhe que você tem muito jeito para trabalhar a madeira... esse último pedaço de bambu que me mostrou... parece diferente... para que lhe servia ? Para pescar ? Estou a ver aí uns furos...
Elias olhou para o último objecto e não conseguiu evitar um sorriso.
- Ah... este aqui ? ... Este aqui é ... a minha flauta...
- Uma flauta ? Você sabe tocar flauta ?
Elias, o náufrago, ficou a olhar para o jovem – a inocência da juventude.
- Meu caro amigo – lá respondeu finalmente – quando você fica sózinho numa ilha... por dez anos... eu acho que você até tem tempo para compôr uma sinfonia...
De
Eduardo a 16 de Maio de 2009 às 20:43
Grande texto!
Como foi postado com algum atraso, vou tomar a liberdade de fazer uma postagem no Varal.
Obrigado por ter participado! Contamos com você nas próximas!
Forte abraço
ótima sua postagem, amei!!!
tbm estou participando, dá uma olhadinha lá.
abraços
Meu amigo, voc6e acredito por enquanto ao menos, seja o único que têve essa análise muito interessante da estada na Ilha. Aifinal, 10 anos... Não é coisinha simples.
Muito bointa sua postagem.
Um grande beijo, CON
De julieta barbosa a 16 de Maio de 2009 às 23:34
Seu texto deixou a minha alma arrepiada e o meu coração cheio de doçura. Você descreveu, poeticamente, como podemos viver bem com apenas cinco objetos e como a vida pode ser simples, e bem vivida, longe dos apelos consumistas de uma sociedade tão ausente do que verdadeiramente importa... Conhecê-lo, foi o melhor dessa viagem! Parabéns!
Muito lindo este teu texto, Entremares!
Fiquei emocionada com a singeleza dos objetos escolhidos, mas que permitiram que Elias tivesse
uma vida plena de significados por lá.
Belíssima lição de vida!
Parabéns!
Neli Araujo
De
Rosalin a 17 de Maio de 2009 às 03:07
Muito bonito o seu texto!!!
Gostei muito...
Até mais...
Rosalin
http://rosalinscheily.spaces.live.com/
Genial! E eu que achei que estava sendo criativa! :)
Texto sensivel , bem estruturado e participação SUPER criativa!
Parabens!
Mirian Mondon
Miriam, um milhão de obrigados.
As ideias às vezes surgem assim do nada, obrigado pelo apoio.
Volte sempre.
Rolando, seu texto me emocionou...
Cheguei aqui via o VARAL do Eduardo
Um grande abraço
aqui do Brasil...
Maravilhosa participação. Cheguei aqui via varal e voltarei mais vezes.
Abraços
José Jaime
Obrigado pelo apoio.
As palavras à s vezes ultrapassam-nos... e ganham vida própria. Foi o que aconteceu aqui.
Um abraço.
ENTREMARES
Eu acho que ontem já comentei o seu belíssimo texto no Varal.
Vou lá confirmar.
É que a minha cabeça, entre tantas leituras de ilhas e ilhotas, coisas e coisecas, comentários e não comentários, tem os neurónios todos baralhados...
Um abraço.
Amigo João, obrigado pelo apoio... visito regularmente o seu blog, e basta olhar para as fotografias que ali coloca para perceber perfeitamente o seu comentário.
É uma questão de sensibilidade,
Volte sempre.
Um abraço.
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