Domingo, 3 de Maio de 2009

O reino das pedras

 

 

Desde a criação do mundo, o tempo ditara que as pedras seriam imóveis.
Imóveis, surdas e mudas.
Essa era a lei, e a lei existia desde sempre, cumprida por todos os seres vivos.
Desde sempre. Até por sua eminência, o ilustre Rubi III, o rei das pedras.
Desde que os tempos eram tempos, o reino das pedras coexistira com o reino dos homens; uma coexistência baseada na indiferença, uma vez que os homens sempre haviam ignorado a presença das pedras – pisavam-nas, destruíam-nas, utilizavam-nas para construir monumentos, apanhando simplesmente aquelas cujo brilho talvez mais chamasse a atenção...
O ilustre Rubi III, rei das pedras, sucedera a seu pai, o bom rei Diamante, de saudosa memória. Durante o seu longo reinado – e o tempo não era verdadeiramente algo de importante para uma pedra – o rei Diamante assistira ao nascimento do Homem, o príncipe dos símios, à luta incessante da Natureza contra o invasor arrogante, ao tempo dos gelos, ao desaparecimento das grandes bestas que dominaram os continentes e os oceanos e até presenciara alguns eventos catastróficos... que haviam mudado o rosto do planeta para sempre.
O rei Diamante perecera precisamente num desses eventos cataclísmicos, engolido pelas entranhas ferventes da terra.
Rubi III, uma vulgar pedra vermelho escuro, sem brilho próprio, ascendera ao trono.
Contráriamente ao desejo dos homens, o reino das pedras não se regulava por nenhuma divisão de castas, espécies, formas ou brilho; Uma esmeralda só era verde aos olhos dos homens.
Entre as pedras, algo de mais súbtil marcava a diferença. A cor.
A cor e a tonalidade de cada pedra transmitiam a todas as outras tudo aquilo que os homens tentavam transmitir, quando inventaram as palavras; sensações, estados de espírito, emoções, necessidades. Talvez com uma pequena diferença; Não era possível fingir uma cor, não era possível fingir uma tonalidade... pelo simples motivo de que as pedras não conheciam o sentido da palavra “mentir”.
Os homens, claro, nunca se aperceberam de tal pormenor.
E isto porque o tempo dos homens sempre fora bem diferente do tempo das pedras. E de tal modo o tempo das pedras era lento... que aos olhos dos homens, elas sempre pareceram inúteis, desinteressantes... natureza morta.
Aos olhos das pedras, a humanidade corria, desenfreada, regida por um outro tempo, talvez até por uma pressa inexplicável de atingir respostas que, para as pedras, não tinham qualquer significado.
O rei Rubi III encontrava-se, de momento, a pensar.
Algo de muito importante carecia da sua autorização... para acontecer.
Consoante o que viesse a decidir, mudaria a tonalidade do seu vermelho escuro, para transmitir a todos os seus súbditos a sua decisão. Claro que seria um processo moroso, mas as pedras também não conheciam o significado da palavra “pressa”. Todas as coisas tinham o seu tempo próprio, e não havia motivo algum para o alterar.
Uma pedra, aliás, qualquer pedra... possuia um sentido apurado de percepção... um elo que interligava todas as pedras. O planeta inteiro, enquanto ser vivo, comunicava internamente através de subtis mensagens, como um leve toque, de pedra para pedra, atravessando planícies, montanhas, mares. As pedras eram parte integrante do planeta, e sabiam-no, sentiam-no. O rei Rubi III, na qualidade de líder absoluto, não era mais que a face visível de toda esssa percepção, conhecida pelos animais e pelas plantas... mas desconhecida dos homens.
E, naquele momento, o rei Rubi III pretendia transmitir uma mensagem, precisamente... aos homens.
Pensara demoradamente, pesando todos os prós e contras. Observara a evolução desse ser estranho, que a um ritmo desenfreado, desequilibrara a balança universal e corrompera os princípios básicos da convivência das espécies.
Era algo que não fazia sentido, para uma pedra.
O reino das plantas agonizava, delapidado pelas acções impensadas dos humanos.
A mãe natureza, enquanto espírito unificador do planeta vivo, entoava lamentos ... lamentos que só as pedras, na sua dimensão alargada do tempo, conseguiam sentir.
O rei Rubi III não podia ignorar mais todos os chamamentos.
Com o pensamento ensombrado pela tristeza, concedeu a autorização.
 
Muito longe dali, no anel de fogo do pacífico, um vulcão adormecido jorrou a sua primeira lava, após um sono de milénios. E depois, logo outro lhe seguiu o exemplo.
E ainda mais outro...
 
 

 

publicado por entremares às 21:20
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