Quarta-feira, 8 de Abril de 2009

Prontos para descolar

 

 

“Prontos para descolar” – avisou o comandante.
O avião estava cheio – ou melhor, a abarrotar de turistas bem dispostos, na eminência de uma semana de férias em banhos de sol e águas tépidas.
Voltou a confirmar o cinto de segurança.
Uma senhora já de certa idade, bem à sua frente, pigarreava nervosamente, mordiscando qualquer coisa. Lançou-lhe um olhar de compreensão e a mulher devolveu-lhe algo parecido com um “ detesto aviões, mas adoro férias. Portanto…”
Claro.
Seria difícil gostar de passar mais de onze horas sentada, trocando e destrocando as pernas, no espaço exíguo da classe económica. E, bem vistas as coisas, aquele som de fundo dos motores, o ar seco reciclado, as diminutas casas de banho, a característica “comida de plástico” dos aviões… tudo combinado, enfim… certamente existiriam melhores maneiras de passar o tempo.
Lançou um olhar de soslaio à janela bem ao seu lado.
- Que tempo este … - pensou para consigo mesma – cinzento, cinzento e mais cinzento.
Imobilizado na pista, o gigante branco fez rugir toda a potência dos motores. Um leve solavanco, uma trepidação nervosa, e ei-lo devorando o asfalto, a aceleração a esmagar as costas de encontro aos bancos, a fuselagem a estalar em sofrimento.
- Isto não está a estremecer demasiado? – protestou a senhora de meia idade, as mãos crispadas sobre o apoio dos bancos.
- É sempre assim, creio… a gente habitua-se… - respondeu ela.
A senhora não pareceu lá muito conformada.
Segundos depois, um último empurrão, uma sensação desagradável no estômago… e as rodas abandonam o solo, projectando o enorme pássaro metálico em direcção às nuvens.
Sempre detestara aquela parte, a inclinação inicial, onde todo o horizonte desaparecia das janelas e tudo o que a vista abarcava era um imenso céu, sem pontos de referência, rasgando a primeira camada de nuvens, rumo ao azul frio e intenso das alturas.
Uma criancinha, algures atrás de si, começou a chorar, a pressão certamente a magoar-lhe os ouvidos.
Depois veio a curva, larga, para acertar a rota, e o mundo pareceu descair em peso para a direita. Os objectos, pela janela, perdiam tamanho e pormenor a cada segundo, as casas progressivamente transformadas em pontos brancos e laranja, as estradas em linhas sinuosas a rasgar o verde escuro dos bosques, os campos esquartejados em formas geométricas de várias cores e culturas. Por fim, tudo se resumiu a um verde escuro informe e sem graça, entremeado o sol e as sombras das nuvens projectadas sobre os campos.
Um piscar de aviso e as luzes indicadoras dos cintos de segurança apagaram-se.
Suspirou.
- Pronto… terminou o descanso…
Com um gesto maquinal, soltou o cinto de segurança, compôs o uniforme e ajeitou o cabelo. Ao seu lado, a colega repetia-lhe os movimentos, sincronizada.
Trocaram um olhar cúmplice.
Pela frente, esperavam-nas onze longas horas de serviço, distribuindo refeições, copos de água, chávenas de chá e principalmente… muitos sorrisos.
Endireitou a pequena chapa metálica, com o seu nome de hospedeira de bordo gravado a dourado, sobre fundo negro.
Pinnakis.
Soava diferente, e as colegas bem tinham razão. Por mais voos que fizessem, existiriam sempre alguns passageiros a dirigir-se-lhe pelo nome, como se a simplicidade do som criasse automaticamente uma empatia, que ela se esforçava por retribuir com o melhor dos sorrisos.
A chefe da tripulação aguardava, junto do corredor central, para as últimas indicações.
- Pinnakis ?
Sorriu-lhe. A tal senhora de idade não lhe tirava os olhos de cima.
- … É um nome muito bonito… e diferente… só agora reparei…
A hospedeira de bordo sorriu-lhe, agradada.
- É diferente, pois é… e a senhora, como está ? Já está mais calma, agora ?
A mulher ajeitou-se melhor na cadeira, distribuindo o excesso de peso das ancas da maneira mais confortável possível.
- Já estou melhor… já estou melhor… e já agora… acha que … me poderia arranjar um copo de água… ou qualquer coisa para beber ?
A corroborar o pedido, a luz de aviso da fila da frente acendeu-se. Mais alguém solicitava a sua presença.
Pronto. Não havia dúvidas. Horas de começar a trabalhar.
- Com certeza, minha senhora… - lá lhe respondeu – vamos já começar a distribuir… é só um minuto…
 
 

 PS: Uma pequena homenagem à hospedeira Pinnakis, da Thai Airways, que para mim... ainda é a melhor companhia aérea do mundo...

publicado por entremares às 10:12
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