Quarta-feira, 27 de Janeiro de 2010

Noites de lua nova

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As noites de lua nova eram, habitualmente, as mais quentes.

Nunca soubera o porquê, sabia simplesmente que era precisamente naquelas ocasiões que o cheiro forte da terra molhada lhe entrava mais vivo pelas janelas abertas do quarto, sem pedir licença.

E o calor… um calor húmido, gotejante de suor, aquele tipo de calor que cola qualquer pedaço de tecido ao corpo como uma segunda pele.

 

Agitou-se, revolveu-se, atirou para longe a última ponta do lençol.

Sentiu uma gota de suor a formar-se, pequena e roliça, para logo deslizar ao longo do pescoço, tropeçando no peito nu e pingando para o lençol. E depois outra, e ainda outra.

Como adormecer?

Uma leve aragem abanou ao de leve as sedas da janela - ar quente, gritos de pássaros, o coaxar de um rã no lago.

 

Entreabriu a fina seda que a cobria, desnudando-se na escuridão. Com a mão, tacteou o lençol, encontrou o pequeno livro de capa vermelha e ficou a acariciá-lo, com um sorriso sedutor nos lábios, os olhos fechados num sonho ainda desperto.

A história, o seu último conto… estava quase pronto. Deixara a personagem principal, tal como ela ali, naquele mesmo momento, deitada nua numa cama de ferro forjado, num chalé de montanha, à espera da chegada de um amante misterioso. Decidira parar naquele preciso parágrafo, para poder recomeçá-la na noite seguinte - só escrevia por paixão, com paixão, quando o corpo lhe pedia que as palavras jorrassem como vinho numa taça, para deleite dos sentidos.

Talvez por isso mesmo todos os seus romances fossem autênticas obras-primas de luxúria, de paixões arrebatadas e de personagens femininas fortes e dominadoras, utilizando as artes da sedução com mestria, em cenários selvagens.

Isabel de Sezelo, a escritora, era sempre a principal personagem de todas as suas obras.

 

Incapaz de adormecer, sorveu mais um gole de champanhe - outro vicio peculiar aquele, o de levar para junto do leito uma taça de champanhe.

 

Ainda teria que decidir o rumo a dar à história, na noite seguinte. A personagem seria visitada pelo amante misterioso? E quem seria tal amante? Um homem, uma mulher? Um fantasma? Faltaria ao encontro marcado?

 

Sem se aperceber, adormeceu. Um sono agitado repleto de movimentos, de vozes longínquas, de presenças invisíveis e de um bafo ardente que lhe queimava o peito, como se estivesse em presença de uma fogueira, incapaz de fugir, os membros dolentes e relaxados. Sonhos, certamente; lascivos, húmidos, estranhos.

 

Abriu e fechou os olhos, os primeiros raios de sol reflectidos na parede do quarto.

Viver no campo, entre todas as benesses materiais que a vida lhe proporcionara, era certamente aquela que Isabel de Sezelo, a escritora, mais apreciava. A calma, o silêncio, o horário natural do nascer e do pôr-do-sol, tudo contribuía para aquela paz de espírito, aquela serenidade que só encontrava escape nos devaneios sensuais da sua escrita, em palavras ousadas que o dia-a-dia do campo não conhecia.

 

Quando finalmente conseguiu manter os olhos abertos, percebeu que a noite deveria ter sido agitada, apesar de não conseguir recordar pormenores de qualquer sonho. Mas estava nua, completamente nua, a seda violeta atirada para um canto do quarto, a taça de champanhe vazia, o pequeno livro de capa vermelha aberto sobre a mesinha de cabeceira, onde não se recordava de o ter colocado.

 

Ergueu-se a custo, o corpo dorido.

Esticou a mão e alcançou o pequeno livrinho, a caneta de tinta permanente a marcar a ultima página escrita.

 

Leu… e voltou a ler. Uma linha mais havia sido acrescentada.

Mas aquela não era a sua letra, nem aquelas as suas palavras.

 

" Meu amor… chamaste-me e eu vim. Voltarei amanhã "

 

publicado por entremares às 12:32
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