Vagarosamente, pegou na caneta, à espera de um sinal.
A folha de papel, teimosamente em branco, insistia em não se revelar.
Certamente, algo deverá surgir – pensou, mordiscando sem pensar a ponta da haste dos óculos. Ajeitou-se sobre a cadeira, abriu um pouco mais os cortinados – talvez um pouco mais de luz...
Mas não, nada. Um rosto feminino, impossível de desenhar, fitava-o sorrindo, decalcado sobre a folha branca. Inexistente, uma miragem. Abriu e fechou os olhos vezes sem conta, esperando que a realidade se desenhasse de novo sobre o papel... mas tudo se revelou inútil, os contornos da face, a boca, as medeixas de cabelo, o olhar penetrante... tudo continuava ali, bem à sua frente, mesmo que só os seus olhos a pudessem vislumbrar.
Queria escrever as palavras “ ADEUS, DESISTO “.
Uma força insuspeita reteve-lhe o movimento da mão, quando a ponta da caneta tocou a superfície macia do papel. Lá fora, o céu que amanhecera cinzento desnudou-se por segundos de algumas nuvens e um raio tímido de luz invadiu a sala, aproveitou os cortinados abertos e foi banhar a folha de papel branco que ainda segurava na mão.
Por um segundo, um indefinível segundo, sentiu uma dor aguda trespassar-lhe o peito. Até quando... até quando conseguiria... arranjar forças? Para resistir? Para lutar?
Finalmente, pousou a mão e um fio de tinta molhou o papel sequisoso de palavras.
E escreveu.
“ Meu amor... “