- Gostaste?
Ela seguiu-lhe o olhar, fixando-o na pedra cinzenta.
- Gostei, sim... muito. Creio que o artista conseguiu captar... ternura, creio. Sim, creio que é mesmo isso. Emana carinho, ternura...
As pernas entrelaçadas, imóveis de granito, seguravam os dois corpos; ela aconchegada ao peito, a mão pousada sobre o coração, sentindo-lhe o palpitar das memórias e dos sonhos, ele soerguido e delicado, enroscado mansamente nas curvas dela, aspirando-lhe o aroma dos cabelos soltos.
Uma simples pedra, uma campa rasa – sem flores, ornamentos, longos epitáfios ou dedicatórias. Num dos cantos, simplesmente os nomes, gravados em bruto “Maria e João”.
Nem isso era importante. Poderiam ter sido Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, foram simplesmente João e Maria, gente vulgar, vidas invulgares.
Conheceram-se, amaram-se, fundiram-se num só.
E tão súbito como o começo, a morte levou-os, num daqueles acidentes que nunca seriam cabeçalho de jornal ou noticia de televisão – um acidente simplesmente vulgar, mortal, simplesmente mais um acidente. Só isso.
- És incrivelmente bela...
Ela sorriu.
- Claro... aos teus olhos, eu sei...
As duas manchas luminosas, pairando sobre as figuras de pedra, voltearam levemente, misturando as formas, como se de uma única entidade se tratasse – uma forma etérea, sem corpo, simplesmente luz, já liberta da carne e do pó.
Invisíveis ao olhar.
- Vamos? Ou preferes ficar ainda mais um pouco? – quis saber ele.
- Não... vamos embora. Queria simplesmente ver como olhavam para nós, enquanto aqui estivemos.... e gostei que nos tenham esculpido assim...
Deu-lhe a mão. Um simples movimento de luz, tocando-se.
Simplesmente luz.
E lentamente, num abraço invisível ao olhar, subiram de encontro à imensidão azul, juntando-se a todas as outras estrelas brilhantes da noite.