- Então… como vai isso hoje?
Mal. Hoje, ontem, provavelmente amanhã. Foi isso que lhe respondeu.
- Ora… cá vamos andando… a máquina já está ficando velha…
- Seja optimista, homem. Quanto mais depressa sair daqui, melhor. Ou você gosta de ser cliente dos hospitais?
- Eu? Nem pensar…
- Ora vê? Portanto… veja lá se arrebita… e a propósito, tenho aqui o jornal desportivo de hoje, já o li… quer que lho deixe?
O doente arregalou os olhos.
- Se quero… isso é mesmo um presente caído do céu…
O visitante deixou-se rir.
- Oh, homem, se eu soubesse… mas deixe lá, quando eu passar por aqui amanhã… não me esquecerei… vá… as melhoras…
Acenou-lhe e lá continuou o seu passeio matinal, como em todos os outros dias.
Os doentes daquela ala do hospital não o conheciam e aparentemente o pessoal médico também não.
Mas todos os dias, aquela simpática personagem, já bem entrada na terceira idade, lá percorria todas as enfermarias, todos os quartos, metendo conversa, contando novidades, distribuindo jornais e revistas, por vezes até livros.
E sempre com o mesmo sorriso.
Depressa todos se convenceram tratar-se de um elemento de qualquer organização de voluntariado, destacado para a ala de cardiologia daquele hospital.
E ele lá ia brincando, classificando os enfartes como de terceira divisão ( os insignificantes ), os da primeira liga ( aqueles mais dignos desse nome ) e os que davam acesso ao Mundial ( os de apuramento mais complicado ).
- O seu enfarte, complicado? - dizia sempre - não me faça rir. Ainda ontem perguntei ao seu médico, só para tirar as dúvidas… e ele disse-me que lhe vai dar alta para a semana. O seu foi daqueles de terceira divisão, oh homem…
E brincando, brincando, os dias passavam mais alegres, na ala oeste do hospital.
Até que, naquela manhã de sábado, Novembro, o simpático visitante não apareceu, ele que conseguia ser mais pontual que o receituário médico.
- Porque não apareceu? Quem era? - queriam todos saber - ele nunca falha, um único dia.
As enfermeiras do piso, num estranho silêncio, murmuravam pelos cantos, longe dos ouvidos dos doentes.
- Doutora Wania… então o nosso visitante, onde anda ele? Hoje não o deixaram vir visitar-nos?
A médica, uma das mais jovens do hospital, ainda abriu e fechou a boca várias vezes, hesitante nas palavras.
- Dona Hortense… sabe… a sua visita, isto é, aquele senhor que vinha aqui todos os dias…
- Nem sabemos como ele se chama, doutora.
- Ah… chama-se Eugénio, Dona Hortense. Isto é… chamava-se Eugénio…
A doente fixou o rosto da medicam habitualmente sereno e descontraído. Notou-lhe um pesar sentido, como se fosse portadora das piores noticias.
- Chamava-se? Então quer dizer…
A doutora Wania assentiu com a cabeça.
- Sim, Dona Hortense, ainda ninguém sabe, a senhora é a primeira. O nosso Eugénio…. Morreu ontem à noite.
- Mas… a doutora conhecia-o? Fala como se o conhecesse bem…
- Conhecia sim… conhecia-o bem… e gostava muito dele, era um bom colega…
- Ah, então era médico… bem me queria parecer, eu sempre suspeitei…
- Médico? O Eugénio?
E a doutora riu-se, os olhos brilhantes de emoção - Não, Dona Hortense, o Eugénio não era nenhum médico, era um doente aqui do hospital, tal como a senhora.
- Um doente? Mas como? Eu nunca o vi por aqui…
- Pois não… o Eugénio tem estado sempre internado na ala de oncologia. Há muito que se encontrava em estado terminal… mas nunca baixou os braços…
- Pensei, doutora… como lhe chamou colega…
A médica deixou transparecer um olhar de tristeza.
- Éramos colegas, sim… de um modo muito especial, e cada uma com as suas tarefas… sim, creio mesmo que era o meu melhor colega deste hospital…
Tudo de bom para ti, Wania.
. Sinais
. O rei morreu... Viva o re...
. Fé