Quinta-feira, 24 de Setembro de 2009

Branca de Neve

 

 

Branca de Neve tinha um sonho, um sonho antigo; ser acordada pelo beijo de um príncipe, se possível encantado.
A tal ponto se dedicava a tentar realizar o seu sonho que, todos os dias, mal os sete anões partiam para a mina, prontamente se vestia com as suas melhores roupas, mordiscava uma maçã e deitava-se sobre a cama, imaculadamente branca, arrumada a um canto do jardim.
E por ali se deixava estar, de olhos fechados, a tentar cumprir uma história que – diziam – terminaria sempre com a chegada de um belo príncipe, que a beijaria nos lábios, despertando-a daquele sono profundo.
Branca de Neve, expedita nas acções, decidira saltar aquele passo intermédio e preferia ficar acordada, apesar dos olhos fechados.
Por mais de uma vez se levantou sobressaltada, fugindo a esconder-se no quarto. O Atchim, talvez o mais simpático dos sete anões, tinha o irritante hábito de aparecer de surpresa em casa. Dizia ele que não dispensava a sua casa de banho, que as instalações da mina eram muito... públicas. E lá corria a nossa Branca de Neve a fechar-se no quarto e a espreitar pela fechadura, à espera que o Atchim lá voltasse para os trabalhos da mina, mais aliviado.
 
Naquele dia em particular, a manhã estava calma e o Atchim ainda não a brindara com uma das suas aparições surpresa. Pelo contrário, um ruido compassado, a principio longínquo, progressivamente mais audível... fez-lhe disparar o coração. Alguém se aproximava... e a cavalo, dois cavalos, não havia como enganar.
Fechou os olhos e colocou a sua expressão mais serena, tantas e tantas vezes ensaiada em frente ao espelho do quarto.
 
Pouco depois, sentiu que alguém desmontava, ouviu-lhe as botas pesadas de encontro às pedras. Aproximava-se.
 
O tempo passou... e nada.
Mais uns momentos... nada de forçar a situação.
Mas ... não... definitivamente, não estava a acontecer nada, e muito menos o tal beijo esperado.
 
Abriu muito, muito suavemente uma fresta do olhar e viu-o. Era belo, sem dúvida. Príncipe ou não, mas definitivamente belo.
Uma longa cabeleira alourada, uns olhos azuis de cortar a respiração, uns lábios carnudos como morangos – ao menos que seja um príncipe – não se cansava de repetir para si mesma.
 
Um pouco enfadada pelo arrastar da situação, decidiu acelerar um pouco o processo. Num gesto bem estudado, suspirou lânguidamente, abrindo um pouco os olhos.
Ele pareceu surpreso.
- Meu príncipe... – sussurou ela, enquanto lhe segurava a face com as duas mãos.
E, não fosse a história ser levemente diferente do que pensava, decidiu ser ela a beijá-lo.
Puxou-o suavemente para si e apertou-lhe os lábios contra os seus. Mentalmente, conferiu se todas as peças do cenário estariam nos seus devidos lugares... incluindo os estratégicos últimos laços do vestido, que deixara propositadamente abertos, a pele branca do peito embebida de suave perfume.
 
- Por quem sois, vil creatura... largai-me...
E num gesto simultaneamente brusco e com alguns trejeitos, o talvez príncipe fugiu-lhe dos braços.
Mais atrás, o pajem segurava em silêncio as rédeas dos cavalos.
 
- Meu príncipe... – ainda repetiu, os braços esticados sem o conseguir tocar – beijai-me com paixão, para que eu possa finalmente acordar deste sono profundo a que a bruxa malvada me votou...
Ele piscou os olhos e pegando com a ponta dos dedos na capa vermelha, lançou-a sobre os ombros, ao mesmo tempo que empertigava os ombros.
Foi nesse momento que Branca de Neve suspeitou que algo na história não se estava a desenrolar conforme o previsto.
- Que horror... mulher... estais quase ... nua... que afronta aos meus olhos...
 
Branca de Neve abriu muito os olhos, sem poder acreditar no que lhe estava a acontecer. Entre todos os príncipes e plebeus, possíveis e imaginários, com ou sem reino... tinha logo que por ali aparecer ... talvez o único... enfim.... mais delicado?
 
Talvez tivesse percebido mal. Decidiu jogar a sua última cartada. Num arrojo de ousadia, abriu os últimos cordões do vestido, expondo ainda mais generosamente o peito alvo de neve.
- Meu príncipe... quebra-me o encantamento...
 
O possível ou talvez príncipe revelou-se então em todo o seu esplendor. Levou as mãos aos olhos, gritou fininho e correu a agarrar-se ao seu fiel pajem que o abraçou carinhosamente.
- Pajem, pajem... socorro, acode-me que ela se está a despir... acode-me...

 

Nota: Esta é a verdadeira história. A outra, aquela que circula por aí, é a versão censurada, para poder ser contada às crianças, claro...

publicado por entremares às 08:20
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31 comentários:
De Sofia a 24 de Setembro de 2009 às 20:36
Está muito bem escrito sim senhora...

Neste mundo ou se é principe ou se é homem!

Bejo Senhor contador de histórias
De Sofia a 24 de Setembro de 2009 às 20:37
Upss!!!
A demência anda a dar cabo de mim...

Era mesmo "beijo"
De entremares a 25 de Setembro de 2009 às 08:27
Oi, Sofia...

"Neste mundo, ou se é príncipe ou se é homem..."

E com esta, me deixaste a pensar...bastante.

Beijos,
Rolando
De libel a 24 de Setembro de 2009 às 21:12
Olá Rolando, eu juro que trouxe as pipocas, mas os nervos eram tantos, que depressa vi o fundo ao balde, hoje nem as unhas sobraram para contar a história....ahhahaha...comecei logo por imaginar a Branca de Neve a piscar um olho à espera do beijo que não se fazia à estrada, de repente a reviravolta total, ela toma as rédeas da situação e zás...toma lá um beijo daqueles de prender o fôlego....ok!!..é diferente, mas continua a prender....(quase sem pipocas) ..temos que inovar, o lançar da capa, o trejeito dos olhos ..é agora vai agarrar nela e a galope....rumam para o castelo encantado, um sonoro "que horror" acabou com as pipocas, fiquei petrificada, mas ainda esperançada, afinal os príncipes são delicados e encantadores...é isso!!...(ataquei as unhas)...este final promete, abrem-se os cordões do vestido e dá-se o encantamento, eu sei...não vai resistir, bela e imaculada (quase sem unhas)...vai fazê-lo despertar, afinal quem está adormecido é ele, só precisa de uns fortes abanões, afinal noutra vida fora um sapo submisso e limitado, mas...o susto deu-se e os gritos eram fortes e sonantes ..Socorro..Socorro...Pagem..acode-me..aiii..uiii.... (já sem unhas nesta altura)...mas..afinal o que se passa aqui?....De repente "Atchimm" entra em cena e foi então que percebi, ...GRIPE A ...deu o ar da sua graça e alterou o final da história, ok...é razoável, é compreensível, afinal o plano de contingência ainda não estava contemplado, e mais vale prevenir do que remediar.....(acho que vou deixar crescer as unhas outravez) ...lol...

Rolando arranja outro Príncipe p.f....( prometo que trago pipocas para todos)....ehehhe...

Beijos para ti e Muitos Parabéns ao casalinho aniversariante, felicidades e muito amor....
De entremares a 25 de Setembro de 2009 às 08:30
Oh, Libel...

Posso... a sério... deixas-me lançar-te um desafio... ?
Escreve ... escreve a tua história da Branca de Neve, para a colocarmos aqui à volta da fogueira.
Pleaaaase....

Eu trago as pipocas desta vez, para todos.

Muitos beijos.
Rolando

De Silvana a 24 de Setembro de 2009 às 21:29
E depois desse princípe ela resolveu se envenenar de verdade, rsss... Acertei?
...
Sobre o seu "desafio": fiz o meu melhor!
Depois você me diz se cumpri a missão. E deixei outro desafio pra você lá mesmo.

até mais,
Silvana

De entremares a 25 de Setembro de 2009 às 08:31
Grrr... és memo mázinha...

A Branca de Neve vai morder outra vez a maçã... até lhe aparecer o príncipe certo.

( Já vou tratar do desafio, tu já vais ver... )

Beijos
Rolando
De GISLENE a 24 de Setembro de 2009 às 23:36
OLÁ, ROLANDO
EU APOIO 100% ESTE PRÍNCIPE...
IMAGINAS SÓ, SERÁ QUE ELE ESTAVA À PROCURA DE ALGUÉM? E DE REPENTE, DÁ DE CARA COM UMA LOUCA, QUERENDO SEUS BEIJOS?
ACHO QUE ELE JÁ ESTAVA APAIXONADO...
POR QUEM? NÃO IMPORTA...
BEM FEITO PARA ESTA BRANCA DE NEVE...
DA PRÓXIMA VEZ, ANTES DE SE ATIRAR NOS BRAÇOS DO PRIMEIRO QUE LHE CRUZAR O CAMINHO, O CHAMARÁ TALVEZ, PARA UM CAFÉ DA TARDE, PARA CONVERSAR, O QUE AO MEU VER, É BEM MAIS ELEGANTE PARA UMA DAMA...
BEIJOS E ATÉ,
GISLENE.
De entremares a 25 de Setembro de 2009 às 08:33
Oi, Gislene

Prometo que a Branca de Neve vai convidar o próximo cavaleiro andante que por ali passar ( com ou sem pajem ) para tomar o café da tarde... para o conhecer melhor... quem sabe, por baixo da carapaça de príncipe, o que poderá estar escondido...

Beijos
Rolando
De saltapocinhas a 24 de Setembro de 2009 às 23:47
Mas que bandalheira!! :)
Isto não se faz à Branca de Neve!
De entremares a 25 de Setembro de 2009 às 08:35
Olá, Saltapocinhas...

Que saudades de te ver.
Pois... achas que fui um bocadinho mauzinho, é isso?

( hahaha )

Beijos
Rolando

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