Domingo, 6 de Setembro de 2009

Anjo da guarda

 

 

Serenamente... contemplou o entardecer, como se não houvera outro.
Aos poucos, a luz do dia esvaiu-se num azul profundo, raiado de sombras. O dia passava o seu testemunho à lua, antecipando a noite.
O olhar, imóvel, continuava perdido num ponto longinquo do horizonte, talvez numa das muitas estrelas que despontavam na imensidão dos céus.
Nas mãos , uma rosa branca murchava aos poucos, desfilando suavemente as pétalas sobre o regaço.
A tristeza, uma tristeza imensa e impotente, afogava aquele rosto, outrora feliz e radioso como todas as auroras. Uma lágrima rebelde secara sobre a face macia e ali permanecera, como um ribeiro de saudades mansas, indiferente ao passar do tempo.
 
Podiam os anjos chorar?
 
Um movimento imperceptível. O peito arquejante exalou um suspiro. A saudade, essa emoção humana das almas vazias, assaltara-lhe o espirito, imobilizara-lhe as asas de longas penas brancas, adormecera-lhe os movimentos e o olhar.
 
Podiam os anjos sentir saudade?
 
- Porque partes? Porque fico? – quisera ela saber.
Ele abraçou-a, envolvendo-a nas asas. Por um momento, assim permaneceram imóveis, como um só corpo, um só espirito.
- Tenho que partir... tu sabes... somos anjos da guarda... temos que os seguir, para onde forem... – dissera-lhe ele, limpando-lhe o rosto húmido de tristeza.
- Mas são só humanos... são só humanos...
Ele acenou com a cabeça, e as asas imitaram-lhe o gesto, num movimento suave.
- Eu sei... mas o meu protegido está agora num paraíso diferente... e eu... eu tenho que o seguir... para o proteger...
- E eu? E eu?
- Tu tens que ficar... até poderes partir, tal como eu...
 
Abraçaram-se pela ultima vez.
As palavras eram inúteis, sofredoras.
Ela ficou a vê-lo desaparecer no horizonte, rumo a um outro paraíso.
 
Podiam os anjos sofrer?
 
Um choro infantil trouxe-a de novo à realidade. Olhou para baixo. Algures, uma criança receosa do escuro da noite chorava, desamparada.
A sua criança.
 
Ergueu-de do seu pedestral, bateu as asas e desceu dos céus.
Com a mão, limpou os olhos doridos e secou as lágrimas. Não queria que a criança recordasse o seu anjo da guarda assim, tão vulnerável, tão ... humano... a chorar.

 

publicado por entremares às 09:00
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24 comentários:
De neli araujo a 6 de Setembro de 2009 às 19:03
Olá, Rolando!

Muito delicado este teu conto de hoje. Será que os anjos também se apaixonam? Muito lindos os teus pensamentos, amigo!

Uma beijoca,

Neli

PS: Ah, adorei saber que teus tenis voltaram para casa!
Agora esclareceu-me um mistério que também ocorre cá pela minha casa, hehehehe
Adorei o post!
De entremares a 6 de Setembro de 2009 às 19:42
Oi, Neli...

Creio que algures... eles estão a sorrir, com todo este "sururu" da gente a falar deles...

E sim, tenho a certeza de que também se apaixonam, talvez sejam até eles que nos ensinam a apaixonar-mo-nos...

Beijos.
Rolando

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