Serenamente... contemplou o entardecer, como se não houvera outro.
Aos poucos, a luz do dia esvaiu-se num azul profundo, raiado de sombras. O dia passava o seu testemunho à lua, antecipando a noite.
O olhar, imóvel, continuava perdido num ponto longinquo do horizonte, talvez numa das muitas estrelas que despontavam na imensidão dos céus.
Nas mãos , uma rosa branca murchava aos poucos, desfilando suavemente as pétalas sobre o regaço.
A tristeza, uma tristeza imensa e impotente, afogava aquele rosto, outrora feliz e radioso como todas as auroras. Uma lágrima rebelde secara sobre a face macia e ali permanecera, como um ribeiro de saudades mansas, indiferente ao passar do tempo.
Podiam os anjos chorar?
Um movimento imperceptível. O peito arquejante exalou um suspiro. A saudade, essa emoção humana das almas vazias, assaltara-lhe o espirito, imobilizara-lhe as asas de longas penas brancas, adormecera-lhe os movimentos e o olhar.
Podiam os anjos sentir saudade?
- Porque partes? Porque fico? – quisera ela saber.
Ele abraçou-a, envolvendo-a nas asas. Por um momento, assim permaneceram imóveis, como um só corpo, um só espirito.
- Tenho que partir... tu sabes... somos anjos da guarda... temos que os seguir, para onde forem... – dissera-lhe ele, limpando-lhe o rosto húmido de tristeza.
- Mas são só humanos... são só humanos...
Ele acenou com a cabeça, e as asas imitaram-lhe o gesto, num movimento suave.
- Eu sei... mas o meu protegido está agora num paraíso diferente... e eu... eu tenho que o seguir... para o proteger...
- E eu? E eu?
- Tu tens que ficar... até poderes partir, tal como eu...
Abraçaram-se pela ultima vez.
As palavras eram inúteis, sofredoras.
Ela ficou a vê-lo desaparecer no horizonte, rumo a um outro paraíso.
Podiam os anjos sofrer?
Um choro infantil trouxe-a de novo à realidade. Olhou para baixo. Algures, uma criança receosa do escuro da noite chorava, desamparada.
A sua criança.
Ergueu-de do seu pedestral, bateu as asas e desceu dos céus.
Com a mão, limpou os olhos doridos e secou as lágrimas. Não queria que a criança recordasse o seu anjo da guarda assim, tão vulnerável, tão ... humano... a chorar.