Porque estava a água tão azul ?
Abriu os braços e deixou-se ir. O fundo do oceano chamava-a, num murmúrio silencioso que mais ninguém, para além dela própria, ouvia. Talvez fosse só o rebentar das ondas nos recifes de coral, à superfície; ou o rolar das conchas no fundo de areia, empurradas pela corrente. Ou talvez não fosse nada.
Um silêncio imenso, azul, tomou-lhe o corpo, enquanto se afundava devagar, contemplando a superfície luminosa das águas a afastar-se, cada vez mais distante, mais distante...
Era uma forma de partir, tal como outra qualquer.
Era uma forma de desistir, de renunciar ao sofrimento, de dizer basta à doença, de aceitar... que nem sempre se pode vencer.
Soltou as últimas bolhas de ar que ainda conservava consigo e ficou a vê-las subir, rumo à superfície... enquanto ela se afundava mais e mais, para uma água cada vez mais azul, rumo à escuridão.
O médico dissera-lhe: mais seis meses... talvez um ano, se tiver sorte...
Não era justo.
Tanta coisa ainda por fazer... tantos projectos inacabados... tantos sonhos por cumprir... e uma doença, seis meses de vida, talvez um ano? Se tivesse sorte?
Não era justo.
Mas a vida não tinha que ser forçosamente justa, pensou. Sentira as primeiras dores no mês anterior, e depressa compreendeu o que a esperava, nos tempos seguintes.
As dores repetiram-se, aumentaram de intensidade. O médico também a avisara disso. O próximo passo seria a cirurgia, a amputação, e depois... nem ela sabia o que seria o depois.
A falta de ar apertou-lhe o peito.
À sua volta, um bando de peixes coloridos parecia intrigado, pela presença daquele corpo inerte, afundando-se vagarosamente no oceano.
A vista turvou-se, misturando formas e cores numa aguarela confusa.
Deixou-se ir.
Algo a tocou. Abriu os olhos.
O que era aquilo?
Uma tartaruga? Nunca estivera assim tão perto de uma...
Passou-lhe a mão pela carapaça, lisa e escorregadia. Ela devolveu-lhe o gesto, debicando-lhe o braço frio. Só então reparou, quando a viu afastar-se.
O pobre animal já sofrera no corpo a investida de algum caçador, faltava-lhe um dos membros inferiores. Nadava desajeitada, em sucessivas curvas, mais devagar do que seria normal... mas mesmo assim, sobrevivera, e ainda continuava viva, nadando...
Ficou a vê-la afastar-se, rodeada por um séquito de pequenos peixes, como se de uma autêntica corte se tratasse.
Contemplou novamente a superfície esbranquiçada das águas, cada vez mais longínqua.
Valeria a pena?
Não sabia.
Sabia simplesmente que... tinha que tentar.
Abriu os braços e apontou à superfície. Podia já não ter ar suficiente... mas valia a pena tentar...