Quarta-feira, 5 de Agosto de 2009

Há quem lhe chame ciúme...

 

- João…
- Sim, Maria?
- Que idade me dás?
- Que idade?... essa agora… tu tens 47… a mesma idade que eu…
- Não é isso… se não me conhecesses… faz de conta que não me conheces… que idade me darias ?
- Hum… se não te conhecesse… deixa ver… talvez uns quarenta…
- Bem me parecia…
- O quê, Maria? O que é que bem te parecia?
- … Ora… que tu ias dizer algo de parecido… mas olha, só para que saibas… hoje de manhã, na pastelaria… um senhor muito simpático, que não me conhecia de lado nenhum… deu-me 37…
 
( Silêncio )
 
- Olha… amanhã… avisas-me antes de sair, está bem?
- Avisar… então porquê, João?
- Ora… por nada, por nada… também quero ir tomar café contigo a essa pastelaria…
 

 

publicado por entremares às 18:26
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Terça-feira, 4 de Agosto de 2009

Um cálice de vinho do Porto

 

- Passou muito depressa, não passou? Até parece que foi ontem…
 
Ele contemplou-a com admiração. O tempo passara depressa? Certamente que sim.
O tempo galopara… transformando os dias em semanas, os meses em anos. E assim, de uma forma leve, vinte e cinco anos haviam decorrido desde e primeira ( e também última ) vez que haviam pernoitado naquele mesmo quarto de hotel, numa ruela secundária de Vila Nova de Milfontes.
Corria então Agosto de 1984, um verão quente, a pacata vila do litoral alentejano invadida por turistas de pé descalço, com muita música no ar, cerveja sobre as mesas e grupos de escuteiros de mochilas às costas, rumo aos acampamentos de verão.
Vinte e cinco anos…
Ela pareceu ler-lhe os pensamentos.
- … tu também não estás mais novo… - lá foi dizendo baixinho.
Era verdade.
Nenhum dos dois estava mais novo. Ela engordara uns quilinhos, arranjara algumas rugas de estimação, umas dores nas pernas e meia dúzia de cabelos brancos, que lhe emprestavam um ar sereno, tranquilo mesmo. Ele deixara crescer a barba, passara a usar o cabelo sempre muito curto e desde que deixara de fumar, engordara horrores.
As três filhas, quais gotas de água, eram a imagem da mãe. Bem… mais a imagem, que o temperamento puxava mais ao pai, conciliador e rezingão, criativo… e preguiçoso, também.
Ele desligou o telemóvel e pousou-o sobre a mesinha de cabeceira.
- Hoje não estamos para ninguém… - e sorria, olhando para ela pelo canto do olho. - queres que chame o serviço de quartos ?
Ela soltou um suspiro de admiração.
- Temos direito a serviço de quartos? Mas que luxo… da primeira vez apontaram-nos as escadas e disseram-nos… olhem, é por ali…
- Ora… mas isso foi da primeira vez… ainda éramos uns gaiatos, hoje já temos assim um aspecto… mais adulto, diria eu.
Ela concordou.
- Está bem… chama lá o serviço de quartos.
- Apetece-te alguma coisa de especial? Alguma bebida, ou aperitivo, ou…
Os olhos dela ganharam um brilhozinho especial.
- Olha… seria giro… repetirmos a primeira vez… o que bebemos nós naquela noite, lembras-te ? Era um licor, ou qualquer coisa doce, não era?
- Era vinho do Porto…  bebemos dois cálices de vinho do Porto…
- Porto… foi isso mesmo, já me recordo… pois olha, é isso que me apetece agora… um cálice de vinho do Porto…
Ele sorriu, bem disposto.
- Vamos já tratar disso, minha senhora…
 
- Os senhores desejam mais alguma coisa?
Ele fez-lhe sinal que não, que estava tudo bem.
- Então tenham uma muito boa noite… e muitos parabéns...
E saiu, com um sorriso matreiro.
 
- Ouve lá, João… não te pareceu que a funcionária do hotel estava muito… nem sei como dizer… muito esquisita?
Ele respondeu-lhe do outro extremo do quarto.
- Ora… talvez estivesse só bem disposta. Também tem direito, não?
- Sim, sim… mas tu nem reparaste? Até nos desejou parabéns e tudo… como é que ela saberia…
Olhou para o tabuleiro com a garrafa de vinho do Porto, os cálices e o ramo de flores.
- João…
Ele aproximou-se, já sem sapatos.
- Sim, Maria… o que foi?
- João… ela deixou-nos uma garrafa já aberta… olha para isto… já está a meio…
Ele sentou-se ao pé dela.
- Oh, Maria… e então? Talvez fosse a última… isso não é importante, pois não?
Ela enrugou a testa, naquela expressão que lhe era tão característica, quando sentia que estava a ser enganada… e não sabia como.
Voltou a olhar com mais atenção para a bandeja, os cálices, o arranjo de flores, a garrafa… a garrafa era estranha, familiar… e o que era aquilo ali no meio… parecia que tinha alguma coisa escrita…
Pegou na garrafa e estremeceu.
- João… olha para isto…
E apontava com o dedo para uns rabiscos no rótulo… um coração desenhado a tinta, com as letras M e J, uma de cada lado.
 
E então… lembrou-se.
 
O marido ficou a olhar para ela, um sorriso matreiro, deliciado com a situação.
Fizera bem em guardar aquela garrafa, no sótão da casa, durante todo aquele tempo. Vinte e cinco anos atrás… fora aquela a garrafa de vinho do Porto que lhes haviam levado ao quarto, aquele mesmo quarto, na noite de núpcias. Haviam bebido dois cálices cada um, trocaram juras de amor e com a esferográfica do hotel, ela desenhara um coração com as iniciais deles no rótulo da garrafa…
 
Ela olhou para ele, comovida.
- Tu já tinhas isto tudo planeado, não tinhas?
Ele acenou afirmativamente.
 
- Mas, minha querida… só podemos beber mais dois cálices, está bem… é que depois… vou ter que esconder novamente a garrafa…. e só a vais ver de novo daqui a … sei lá… talvez mais uns vinte e cinco anos, o que achas?
 
Ela atirou-se-lhe ao pescoço, um abraço apaixonado.
 
- João Maria Mendes da Conceição…. vem aqui imediatamente aos meus braços. Já.

 

publicado por entremares às 15:47
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Segunda-feira, 3 de Agosto de 2009

Um encontro inesperado

 

A noite estava fresca; demasiado fresca até, para uma noite de Agosto, habitualmente mais tépidas e sem vento.
Talvez por isso mesmo lhe estivesse a saber tão bem o ao fresco a fustigar-lhe o rosto - ou até pelo magnífico repasto que acabara de digerir e que lhe exigia agora um pouco de exercício.
Assim sendo, decidira voltar a casa a pé, percorrendo sem pressas a meia dúzia de quarteirões entre a zona ribeirinha dos bares e esplanadas até ao morro do castelo, onde residia.
Os passeios, aquela hora, enchiam-se de gente nova, foliões ruidosos e em férias, alguns de copo na mão, deambulando de bar em bar. Uma mistura de músicas várias e aromas de petiscos na brasa enchiam todo o local, conferindo à noite aquela atmosfera típica tão característica.
 
Ajeitou melhor a gola do casaco e meteu-se à caminhada; subir as escadinhas de S. Vicente, depois de uma refeição como aquela… seria um autêntico suplício. Como tal, contornaria toda a zona dos bares, alongaria um pouco mais o percurso, mas em contrapartida a subida até ao castelo seria menos íngreme.
 
Mário Albertino era uma daquelas pessoas viciadas nos seus próprios hábitos, um metódico peculiar, como gostava de se auto-classificar. Nada de especial ou particularmente excêntrico; gostava de se sentar sempre na mesma mesa, de jantar no mesmo restaurante todos os domingos. Ao levantar-se, todos os dias, não dispensava o ritual de abrir as janelas e tratar das suas plantas, cuidadosamente envasadas nos pequenos apoios de ferro forjado, sob a amurada.
Gostava de tomar o café da manhã na pastelaria do senhor Natalino, de comprar o jornal no quiosque do jardim e de cortar o cabelo na barbearia moderna, do outro lado da cidade.
No entanto, ainda não conseguira assimilar um novo hábito; o de ser mais um recém reformado.
- E como vou eu agora preencher os dias? - questionava-se amiúde, sem nunca encontrar resposta.
Quase quarenta anos a ensinar matemática dera ao ex-professor Albertino a possibilidade de conviver com várias gerações, chegando mesmo a ensinar pais e filhos, sempre na mesma escola… e quase sempre na mesma sala.
Quando finalmente se esgotaram as desculpas e os argumentos para ainda permanecer no activo, fizeram-lhe um jantar de despedida, ofereceram-lhe um quadro assinado por todos os colegas, houve beijos e abraços, lágrimas a rodos… e depois, foi só o virar de mais uma página. Outro alguém tomaria o seu lugar, sentar-se-ia na sua cadeira, colocaria os seus pertences no seu cacifo…. escreveria no seu quadro.
Finalmente, um dia transpôs os portões da escola pela última vez, sem remorsos, sem angústia… mas com uma saudade imensa a dilacerar-lhe o peito.
 
Encontrava-se assim imerso nestes pensamentos enquanto caminhava, mãos nos bolsos, o passo certo e compassado, primeiro a rua dos alcoutins, depois o beco das flores, finalmente a rua do colégio.
 
- Passa p´ra cá a carteira, velhote… já.
Surgidos do nada, um grupo de três mariolas, pouco mais que crianças, rodeavam-no, um deles a brandir uma navalha demasiado perto do seu rosto.
- Vá… a carteira, depressa - repetiu de novo.
Mário Albertino estacou, com pouca vontade de se envolver em brigas… e menos vontade ainda de sair dali magoado. Nunca fora assaltado, por mera sorte, mas por aquilo que ouvia dizer, era algo cada vez mais frequente… e com contornos a aumentar de violência.
- Tenham calma, rapazes… tenham calma e deixem-me respirar um pouco, que eu já não tenho a vossa idade…
Enquanto o primeiro assaltante continuava a gesticular com a navalha, um segundo aproximara-se também.
- E o relógio, velhote… isso deve valer alguma coisa…
 
Não valia dinheiro, simplesmente recordações. Mas isso eles não poderiam adivinhar.
- Não vale nada, rapazes… ofereceram-mo num concurso da escola, há muito tempo atrás…
 
E eis que o terceiro assaltante, até aí remetido à penumbra, avançou um pouco também.
 
- S'tôr? É mesmo você?
Mário Albertino rodou a cabeça, à procura da voz familiar.
- Algarvio… Zé Algarvio? És mesmo tu, rapaz?
 
Era. O mesmo Zé Algarvio, talvez uns anitos mais velho, mais magricela, os mesmos olhos brilhantes e aquele arrepio no cabelo, a mesma expressão de gaiato, apesar do cigarro e da tatuagem esquisita no pescoço.
 
- S'tôr… este bairro aqui é ruim… não devia andar por aqui a estas horas…
 
Mário Albertino abriu a boca, espantado.
- Oh, Zé… contigo aqui ao pé de mim, nem tenho motivos para me preocupar… nem que fosse às três da manhã…
 
O rapazola, sorriu, divertido. Fez um pequeno gesto e os outros dois desapareceram num ápice, tal como haviam surgido.
- Então ainda se lembra de mim, S'tôr? Já faz tempo…
- Ora essa… eu lembro-me de todos vocês… e principalmente de ti, que eras dos mais teimosos…
O rapaz sorriu de novo, por um instante recuando no tempo, até aos bancos de escola, às brincadeiras dos pátios, às memórias de uma infância tão curta e já tão longínqua no tempo.
- Como era aquela coisa S'tôr? Aquela coisa do Pitágoras… o pessoal achava um piadão aqueles versos…
- O Pitágoras… ainda te lembras do Pitágoras? Quem diria…
- Era qualquer coisa de Siracusa, não era? Mas já não me lembro do resto…
 
Por um instante, o reformado Albertino desapareceu, prontamente substituído pelo professor Mário Albertino, no palco improvisado.
 
- Meu caro Zé Algarvio… tens que ver se te lembras bem disto, olha que eu não viverei para sempre… Pitágoras de Siracusa… disse um dia aos seus netos… que o quadrado da hipotenusa…
 
- … é igual à soma do quadrado dos catetos - completou o rapaz, a rir-se. - Era isso mesmo, S'tôr… era isso mesmo…
 
Algures da esquina, alguém assobiou.
- Tenho de ir-me, S'tôr… gostei muito de o ver…
Mário Albertino estendeu-­lhe a mão.
- Zé… o prazer foi meu… e faz favor de dizer ao resto da rapaziada que tenho muitas saudades vossas…
Ele fez que sim com a cabeça.
E logo a seguir, foi engolido de novo pela escuridão.
 
 

 

publicado por entremares às 20:50
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Sábado, 1 de Agosto de 2009

Partida para férias...

 

Ele - Trouxemos tudo? Não te esqueceste de nada?
 
Ela - Tudo… 2 malas, 1 necessaire, 1 saco e 1 mochila…
 
Ele - Só? Estou espantado… Nunca trouxemos tão pouca bagagem para férias…
 
Ela - …
 
Ele - Como conseguiste desta vez só ocupar 2 malas, 1 necessaire, 1 saco e 1 mochila?
 
Ela - Simples… essas são as minhas coisas…
 
( silêncio )
 
Ele - As tuas coisas … e as minhas coisas?
 
Ela - Não sei… trazes algumas?

 

publicado por entremares às 12:14
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