Seria verdade?
Debruçou-se para a frente. Era... era mesmo... não havia dúvidas. Encontrara-o.
Finalmente.
Com as mãos trémulas de excitação, apanhou o pequeno trevo, o seu pequeno trevo de... quatro folhas.
Há quanto tempo o procurava? Dois anos? Três anos? Já nem se lembrava ao certo, mas sabia que não havia dia que passasse que ele não fosse para o jardim, para o quintal, até para o fundo da rua à procura... em todos os recantos húmidos, junto dos canteiros de flores, atrás das árvores... e sempre sem sucesso.
Os trevos, essas fugidias plantinhas da sorte... cresciam profusamente por todos os lados, mas só com... três folhas. Normais, sem absolutamente nada fora do vulgar, de um verde pouco apelativo, tristonho até, mas... eram as plantas da sorte, e portanto, que importância tinha a cor, a forma ou até o tamanho?
Nenhuma, absolutamente nenhuma.
A mãe sempre lhe dissera – Pedrito... quando encontrares um trevo de quatro folhas... poderás desejar o que quiseres... e o teu desejo realizar-se-á. Mas tens que ser tu mesmo a encontrá-lo, e mais ninguém... compreendes?
O Pedrito, com os seus doze anitos, compreendera perfeitamente. Com o entusiasmo próprio da idade, procurara incansável o seu trevo, com sol ou chuva, calor ou frio, sem desânimo, com a firme convicção de que o encontraria, nem que demorasse anos...
E então, poderia pedir o seu desejo... e ele realizar-se-ia...
Deu meia volta e voltou a casa, o mais depressa que pode.
- Mãe... mãe... encontrei... olha, encontrei... – ia gritando, enquanto se aproximava das traseiras da casa, onde a mãe continuava a pendurar as peças de roupa no estendal.
Alertada pela gritaria, a vizinha Rosa debruçou-se da janela da cozinha, como fazia sempre que alguém passava na rua, ou falava mais alto.
- Pedrito... cuidado, que ainda cais... – e a mãe pousou o cesto da roupa no chão e correu para ele.
- Mãe, mãe... encontrei, olha, a sério que encontrei... – e a voz tropeçava-lhe nas palavras, tal a excitação – olha, vê bem... quatro folhas, quatro folhas...
E estendeu as duas mãos para a mãe, segurando nelas o seu mais precioso tesouro.
A mãe abraçou-o, sorridente.
- Eu nunca duvidei que o encontrarias, meu filho... – e a mãe devolveu-lhe delicadamente o pequeno trevo, fechando-lhe as mãos em concha sobre ele - ... tu quando queres uma coisa, nunca desistes, eu sei como tu és...
Passou-lhe a mão pelos cabelos em desalinho, a cara corada de energia quase a explodir.
- E agora, mãe ... já posso pedir o meu desejo ? Já posso ?
A mãe continuou a sorrir.
- Claro que podes... já sabes que o trevo de quatro folhas é como a tua fada dos dentes... os teus desejos sempre se realizaram, não é verdade? ... e então, o que vais desejar ? Mais um brinquedo ?
- Oh, mãe... então... desta vez é que vai ser... eu vou voltar a andar...
A mãe ficou imóvel, olhando para o pequeno Pedrito. A cor fugiu-lhe do rosto e, por momentos, sentiu o chão abrir-se, bem por debaixo dos pés, num abismo enorme, num poço sem fundo.
- Pedrito... – balbuciou... não compreendo...
- Oh, mãe... – e o Pedrito apoiou-se sobre os cotovelos e ergueu-se o mais possível, sobre a cadeira de rodas – então não percebes ? Desta vez é que vai ser... eu vou conseguir andar ... novamente... vai ser esse o meu desejo...
- Mas, Pedrito... tu sabes... bem, o médico disse-te que.. – e a mãe não conseguiu terminar a frase. Um nó na garganta silenciou-lhe a voz, e os olhos húmidos não conseguiram conter as lágrimas, para espanto do filho que, ainda trémulo de excitação, continuava repetindo - ... mãe, a sério... vais ver que se vai realizar... os outros desejos ... todos se realizaram... este também se irá realizar...
A mãe agarrou-se a ele, escondendo a cara por entre os braços.
Três anos atrás – fatídico dia, aquele – o Pedrito saira a pedalar, como de costume, cheio de energia, porta fora, na sua biciclete vermelha, reluzente. Era domingo.
Mal transpusera os portões do jardim, distraído, nem reparara no automóvel que circulava pela rua, no seu passeio matinal.
O resto... o resto fazia parte do passado, das intermináveis visitas ao hospital, da convalescença numa cadeira de rodas e do diagnóstico atroz do médico, quando lhe dissera, emocionado... que o Pedrito, o seu Pedrito, passaria o resto da vida agarrado aquela cadeira de rodas.
- Mãe ? – e o pequeno Pedrito sentiu a face molhada com lágrimas que nem eram suas.
- Sim, Pedrito...
- Porques choras ?
- Pedrito...
Ainda tentou abrir a boca, numa tentativa vâ de explicar que nem todos os desejos poderiam ser realizados por um pequeno trevo de quatro folhas... mas não foi capaz.
Desconsolada, tentou sorrir.
Mas os olhos traíram-na e só as lágrimas continuaram a correr...