Terça-feira, 3 de Março de 2009

São fábulas, meninos... são fábulas.

 

 

-Então as fábulas são todas histórias inventadas ?
A avózinha sorriu. Com perguntas daquelas, que mais poderia fazer ?
- São histórias com personagens inventadas, meu querido netinho... o que não significa que as histórias não possam ter acontecido...
O João não tinha a certeza de ter percebido.
- Esta menina gostava muito de se pôr à janela, estás a perceber ? – e a avózinha ajeitou-se melhor nos agasalhos, enquanto se preparava para mais uma história. - ... e sempre que se punha à janela, começava a cantar:
 
“Achei três tostões no meu quintal
e tenho uma rosa no no avental.
Quem quer casar com a Rosalinda,
que é linda e formosinha ?”
 
E então, passou junto à janela um homem muito corpulento – assim como aqueles lenhadores, sabes ? – com um casaco às riscas vermelhas... e respondeu-lhe assim:
- Quero eu, quero eu...
... Mas a delicada Rosalinda não gostou do lenhador. – Não... não gosto de ti porque tu tens uma voz muito grossa e eu sou uma menina muito fina e delicada... não posso casar contigo...
 
E continuou à janela, repetindo a sua cantiga.
 
Achei três tostões no meu quintal
e tenho uma rosa no no avental.
Quem quer casar com a Rosalinda,
que é linda e formosinha ?
 
- Mas a menina Rosalinda... porque queria ela casar, ó avózinha – quis saber o pequeno João.
A avózinha abanou a cabeça, sem saber muito bem o que lhe responder – Oh, Joãozinho... isso não faz parte da história, meu querido... talvez quisesse casar para poder ter companhia, como posso eu saber ?
O João fez aquele olhar de quem não se dava por satisfeito, mas deixou-a continuar.
 
- E então, passou pela rua um outro moço, com um aspecto muito fino e elegante, todo perfumado, com um belo chapéu e uma bengala. Quando ouviu a Rosalinda a cantar à janela, aproximou-se logo.
- Quero eu, quero eu ... – disse ele, na sua voz mais meiga e gentil.
A Rosalinda olhou para ele e torceu o nariz.
- Não... eu não gosto de ti... tens uma voz muito fininha, e não serias um bom maridinho para mim... não posso casar contigo...
 
E continuou à janela, repetindo a sua cantiga.
 
Achei três tostões no meu quintal
e tenho uma rosa no no avental.
Quem quer casar com a Rosalinda,
que é linda e formosinha ?
 
Aproximou-se então um outro cavalheiro, também muito elegante e sorridente.
- Quero eu, formosa menina, quero eu... – disse ele, chegando-se à janela.
A Rosalinda gostou logo do aspecto simpático daquele pretendente.
- E como te chamas tu, gentil cavalheiro ?
- Eu sou o João Ortigão, formosa menina. E quero casar contigo, ó Rosalinda, que és linda e formosinha...
 
- Ele também se chamava João ? – e o pequenote remexia-se de excitação – também se chamava João... como eu ?
A avózinha sorriu-lhe, meigamente.
- É verdade, meu netinho... é verdade. Também se chamava João... como tu. Deixas-me continuar ?
Claro que o João a deixaria continuar. Uma história com um personagem com o seu nome... onde é que já se vira uma coisa assim ?
 
E então... a nossa Rosalinda sempre casou com o João Ortigão... e foram muito felizes. Gostavam muito um do outro, e quando passeavam os dois na rua, de braço dado, todos diziam que eles eram o par perfeito... até que um dia...
O pequenino João esbugalhou os olhos, sustendo a respiração.
 
- ... até que um dia, a nossa Rosalinda deixou o João Ortigão, sózinho em casa, enquanto foi à missa. E, como ela era muito boa cozinheira, deixou logo o almoço ao lume, bem baixinho, uns feijões que comprara no mercado e que sabia ser o prato favorito do seu maridinho... o nosso João Ortigão. E então... o que achas tu que aconteceu, meu netinho ?
O pequenino João revirou os olhos. Não fazia a mínima ideia.
- ... Não imaginas, pois não ? Mas eu digo-te... o nosso João Ortigão, quando se apanhou sózinho em casa, começou a sentir um cheirinho que vinha lá dos lados da cozinha... e guloso e comilão como ele era... não resistiu e foi espreitar, para descobrir do que se tratava...
... Entrou pela cozinha e debruçou-se sobre o caldeirão, onde os feijões estavam a cozer, espalhando aquele cheirinho maravilhosos por toda a casa... e então, quis provar.
O pequenino João fez um “Oh” de consternação – Oh, avózinha... mas ele não podia fazer isso, pois não ?
- Claro que não, meu netinho... mas sabes como é... às vezes a curiosidade... bem... o problema foi que o nosso João Ortigão, como era baixinho, teve que se empoleirar na beira do caldeirão para conseguir mergulhar a colher nos feijões e ... catrapumba, caiu lá para dentro.
- Oh, minha avózinha... que horror – gritou o pequeno João.
- É verdade, meu netinho... que horror. É claro que a Rosalinda, quando voltou da missa, esperou, esperou... e o João Ortigão nunca mais apareceu. Então, decidiu almoçar sózinha.... É claro que quando foi buscar os seus feijões e viu lá o seu maridinho, o João Ortigão, ia morrendo de tristeza...
- Que tragédia, avózinha...
- É verdade... é verdade... e sabes o que aconteceu depois ? A nossa Rosalinda foi colocar-se de novo à janela, para cantar as suas tristezas, e o modo como o seu querido João Ortigão tinha caido e morrido cozido dentro do caldeirão...
- Que pena tenho da Rosalinda...
- Eu também, meu netinho, eu também... e então, ela foi novamente para a janela, cantar esta canção:
 
Eu sou a Rosalinda, viuvinha,
muito linda e formosinha,
Já não tenho o meu João Ortigão,
que me morreu dentro do caldeirão...
Quem quer casar agora comigo,
que me sinto tão sózinha,
Rosalinda, linda e formosinha ?
 
O netinho olhou embevecido para a avó – Oh, avózinha, como tu contas bem estas histórias...
- São fábulas, meu netinho, são fábulas...
O netinho suspirou de alívio.
- Ainda bem, avózinha. Porque estas histórias nunca poderiam acontecer connosco, pois não ?
E enquanto dizia isto, abanava a pequena cauda cinzenta, tremendo de excitação, os pequenos olhinhos ainda a brilhar.
- Claro que não, João Ratão, claro que não...são só fábulas, meu amor...

 

tags:
publicado por entremares às 15:14
link do post | favorito
De Anónimo a 5 de Março de 2009 às 10:38
Gostei da história contada pela avó do João Ratão. Mais um desdobramento da realidade.
deixo aqui o meu sorriso
Comentar:
De
( )Anónimo- este blog não permite a publicação de comentários anónimos.
(moderado)
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